Novo cenário, novas chances
No início do século XX, até 1930, houve uma “guerra contra o Zebu”, pois os antigos criadores achavam que não podia haver uma nova pecuária. Depois de 300 anos desde o descobrimento, o país estava conseguindo obter algumas raças adaptadas ao ambiente tropical e achava que o Zebu poderia colocar tudo a perder. A chegada do Zebu era um desastre visível para muitos e, no entanto, viria a ser a salvação das propriedades do imenso território brasileiro. O Zebu evoluiu, mesmo sem ter modernas tecnologias à disposição. Mesmo com tradições e crendices, misturadas a muitas superstições, aos trancos e barrancos, a bovinocultura chegou à maturidade que, hoje, às custas do Zebu, exibe com orgulho o maior rebanho de corte do planeta, assegurando o posto de maior exportador. Mesmo assim, com tantas vitórias, ainda está longe de exibir segurança diante de muitos países.
O Nelore, em 1967, ocupou o primeiro lugar entre as raças zebuínas. Em 1944 havia apenas meia dúzia de Nelores na Expo Nacional de Uberaba e eram chamados de “veadinhos desengonçados”. Os neloristas perceberam que só havia um caminho: aplicar tecnologia. Foi assim que começaram as Provas de Ganho de Peso (em 1952), os Testes de Progênie, dando impulso à Inseminação Artificial, etc. A partir de 1985, a biotecnologia abriu espaço para a Transferência de Embriões e a Fertilização in Vitro. Tudo mudou: não se falava mais de boi de milhão e vaca de tostão, pois tudo podia valer milhão (“Nelore: a vitória brasileira”, vol. 1).
O Nelore, hoje, exibe um majestoso animal nas pistas de exposições, muito distante dos animais sertanejos que, por sua vez, são os responsáveis pela exportação de carne. Fala-se muito em Nelore, mas existem dois Nelores: o de exibições e o de produção. Um procura testar o potencial da raça, o outro trata de melhorar a lucratividade dentro das propriedades. Praticamente há pouco casamento entre estas duas pecuárias, segundo a Asbia, que mostra uma taxa de apenas 3,7% de inseminação artificial na pecuária de corte do Brasil. Se os animais de pista fossem imitados, a taxa de inseminação não seria tão baixa, uma vez que os países desenvolvidos ostentam taxas de 80, 90 ou 95%. O que é bom precisa ser imitado, ou devia! (“Nelore: a vitória brasileira”, vol. 4).
O fato é que a produção de carne dita as regras a serem seguidas. Se a produção de carne avança, então a pecuária de elite pode ter fôlego mais longo. Se não houver produção de carne, então a pecuária de elite estará dando tiro no próprio pé.
A orientação zootécnica busca ligar a pecuária do campo com a da exposição. Tarefa difícil, pois a produção de animais de elite custa muito caro, ficando longe das possibilidades do campo que, por sua vez, garante a produção de carne. A evolução da pecuária, portanto, acaba sendo lenta, quando não se tem um estímulo ou orientação institucional (diga-se: governamental). Nos demais países, a pecuária é assumida como ferramenta de viabilização do campo (Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, França, Inglaterra, etc.). No Brasil, porém, o governo cumpre bem as funções de fiscalizar, punir, cobrar, coibir e muito pouco de estimular os produtores de carne. Por isso lá se vão 500 anos depois do descobrimento de um território magnífico para a pecuária e ainda a sociedade continua assistindo melancólicas lutas no campo! Jamais houve orientação estimuladora, no correr da história, como em outros países. Recentemente surgiram órgãos como o Sebrae, o Senar, e outros, que estão inaugurando um novo tempo, a favor da produção, merecendo aplausos e votos de que persistam na direção certa.
Ovinos - Muitos profetas do desastre afirmam que a ovinocultura brasileira está no caminho errado, promovendo a raça Santa Inês, com altos preços e que esta orientação jamais chegará ao campo, onde já podia estar consolidada. Outros afirmam que a raça já mudou de fisionomia, nada tendo a ver com as próprias raízes históricas.
Há um evidente exagero e falta de conhecimento da História nessas afirmações. Sem dúvida, em qualquer pecuária, muitos entram na atividade e serão banidos ou desistirão, por engano próprio. Afinal, o elitismo não é para todos. Muitos famosos criadores de Zebu já foram sepultados pela História, mas foram importantes em seu tempo. A seleção é um sacerdócio, pode ser muito lucrativa para alguns empresários, mas em geral é negócio de pessoas abnegadas que, quando muitos dos atuais empresários desistirem, continuarão levando adiante sua tradição. Tem sido assim em todos os países. Sacerdócio não é para todos, pois os frutos podem ser demorados.
Por isso, na raça Santa Inês é fácil de enxergar os selecionadores ricos e os pobres, tanto quanto na seleção de bovinos. Não é a riqueza que determina ou irá determinar a qualidade dos animais, junto dos verdadeiros selecionadores. O estoicismo de antigos criadores de Zebu pode não ter trazido fortunas, mas trouxe uma glória que os estimulou no correr das décadas. Não é e nem será diferente entre os ovinocultores.
Em resumo: com certeza não haverá ruína da pecuária de elite, embora ela possa até mudar de cara. A ovinocultura irá manter a mesma linha histórica que o Nelore: na pista estará realizando o teste da potencialidade biológica dos animais; no campo terá vez o teste da realidade. Estas duas pecuárias tendem a caminhar juntas.
Surgem, isso sim, novas fontes de renda para o campo, por meio da produção de carne. Isto já aconteceu na bovinocultura e começa a se repetir na ovinocultura. Em São Paulo já existem 13 (treze) pólos de produtores, todos reunidos na Aspacco. Somando os pólos produtores no Brasil já são mais de 40. Depois de 500 anos de abandono, isso é uma notável vitória. O Brasil fez em 20 anos o que deixou de fazer em 500 pelas ovelhas.
Cada pólo caracteriza-se pela produção e pelo escoamento. O livro “Santa Inês: a raça fundamental” mostra as dezenas de regiões que podem gerar ecótipos economicamente viáveis. Em cada micro-clima pode haver um pólo de produtores, com um ecótipo lucrativo. A base da maior parte do território brasileiro, no entanto, pode ser ocupada por uma raça materna: Santa Inês, exatamente como fez o Nelore entre os bovinos.
Já a produção de carne pode ser obtida através de muitos sistemas de cruzamentos com a raça materna. O livro citado traz muitas opções de raças brasileiras e internacionais para realizar tais cruzamentos. Não é momento de fechar os olhos para a realidade dos cruzamentos e a necessária produção de carne; pelo contrário, é hora de estar muito atento a todas às possibilidades de viabilizar toda sorte de propriedade, em qualquer região ou em qualquer situação.
Este é, portanto, um bom momento na pecuária brasileira: muitos empresários irão investir, não em animais, mas na infra-estrutura. Afinal, pode-se ganhar mais dinheiro com o “sólido”, ou seja, com frigorífico, curtumes, rede de escoamento, etc. do que apenas praticando a criação de animais. Esse é o elo que já começa a ser vislumbrado. Até o momento, meia dúzia de empreendedores já está com rebanhos acima de 5.000 cabeças produzindo carne em escala. Tudo isso, no entanto, será ultrapassado rapidamente. Um rebanho de 5.000 ovelhas significa um abate semanal de 60-70 cabeças: muito pouco para atender um único supermercado moderno. Logo surgirão rebanhos de 20, 30, 50 mil cabeças!
Ao mesmo tempo surgirão empresas especializadas em estocagem e escoamento. Haverá os produtores e haverá os escoadores: ambos são importantes.
Cada pólo pode montar seu próprio frigorífico, de acordo com suas necessidades regionais. Basta pouca pressão política para conseguir essa façanha, desde que haja um empresário à frente. Assim, logo os criadores entenderão que precisam estimular a chegada do proprietário de frigorífico, do empresário de escoamento, etc. Ao mesmo tempo chegarão os prestadores de serviços: veterinários, zootecnistas, patrulhas mecanizadas, biotécnicos, etc. A ovinocultura brasileira pode incorporar 100 ou 200 empresários na área de beneficiamento de carne, peles, escoamento, etc. Uma chance muito importante para alavancar a atividade.
O mercado interno é muito grande, o externo maior ainda. A chance empresarial é muito clara, pois o horizonte é muito vasto, com repercussão internacional. Basta lembrar que alguns países têm frotas de navios apenas para atender exportações! O Brasil ainda está longe disso, mas esse dia logo chegará.
Ou seja, quando a tônica deixar de ser os produtores de animais de elite para ser os produtores de carne, tudo ficará muito claro, fechando a cadeia produtiva positivamente. No momento, a imprensa ilustra principalmente os investimentos em animais de elite porque este é o mercado em evidência, mas isso logo irá incorporar uma atividade mais sólida e duradoura: a produção de carne. Muitos selecionadores preferirão o “negócio durável e certo” (produção ou beneficiamento de carne).
Futuro agora - Já surgem os mascates, eles compram e repassam animais de todos os níveis. Os antigos mascates de Zebu enxergaram a realidade com tamanho vigor que foram até à Índia, para atender a pecuária brasileira. Cada viagem, naquele tempo, levava meses! Enriqueceram a cidade de Uberaba e a própria pecuária brasileira. Agora, a ovinocultura está abrindo um novo mundo: os mascates de bovinos vão bandear para os ovinos e o brilhantismo prosseguirá por um bom tempo, pois o mercado exige milhões de novos animais. Os mascates têm uma nova chance.
Por outro lado, há os mascates de animais de produção: mestiços tipo Dorpinês, Ilenês, Suffolkinês, etc. Muitos produtores de carne já estão pagando bons preços pelos mestiços que serão “ventres” nas propriedades. Afirmam que os mestiços já trazem o conserto para certas peculiaridades do Santa Inês, exatamente como aconteceu com o Nelore, no passado. É um momento de reflexões: os criadores de uma raça materna (Santa Inês) precisam produzir animais para o mercado produtor de carne e não apenas para exposições. Sobreviverão aqueles que apresentarem animais com todos os requisitos da produção de carne: boa habilidade materna, incluindo leite, rusticidade, boa conformação muscular, consanguinidade calculada para garantir uma boa transmissão dessas qualidades, etc. Uma ovelha mestiça é vendida, facilmente, por três ou quatro vezes o preço de um animal sertanejo de raça pura: isso indica que os compradores preferem um animal já “corrigido”, embora muito menos rústico.
Ou seja, a moderna pecuária exige estudos. Repetindo: o Nelore teve um desenvolvimento lento de 1870 até 1950. De 1960 a 1980 surgiram grandes colecionadores de animais famosos, ao lado de algum progresso zootécnico. No campo, nessa época, eram realizados muitos cruzamentos entre raças brancas internacionais, com a Nelore, para chegar ao moderno novilho de corte (Chianina, Marchigiana, Piemontês, Charolês, Guzerá branco, e outras). No início da década de 1980 o Nelore começou a aplicar os conhecimentos mundiais de Zootecnia. Em apenas 20 anos (20 gerações) atingiu um patamar internacional: a ciência é tudo! (“Nelore: a vitória brasileira”, vol. 4).
Na ovinocultura, repete-se a mesma história. Os mesmos 20 anos reduzem-se a 12, pois são 3 gerações a cada 2 anos. Ou seja, a produção de carne ovina poderá atingir em 12 anos o sucesso que o Nelore obteve em 20!
O melhoramento zootécnico do Santa Inês é evidente nos últimos 6 anos. Faltam mais 6 anos para atingir um grau de alta excelência, ou seja, 9 gerações. É tempo suficiente para aperfeiçoar ao máximo o Santa Inês, quando se tem uma bússola. A marcha é para frente, sem retorno, sem atavismo. A Genética não privilegia a estagnação, muito pelo contrário, estimula o progresso. O animal antigo não é a bússola, pois foi o Homem quem produziu o “antigo” e também está produzindo o “moderno”. A Genética é apenas uma ferramenta sob comando do Homem e não o contrário, embora existam saudosistas dos tempos antigos. Cabe lembrar, sempre, que a raça Santa Inês tem à sua disposição ferramentas que os bovinos não tiveram: exames de DNA mitocondrial e, logo mais, talvez até um mapa genomático. Estas ferramentas, no entanto, indicam e indicarão que a raça Santa Inês é resultado de um coquetel de outras raças e, como tal, tem apenas dois caminhos, o do aperfeiçoamento zootécnico de sua aptidão para carne e o da habilidade materna. Isso deixa claro que o futuro será sorridente, mas é prudente caminhar com a Ciência ao lado.
Assim, é de se esperar uma mudança de enfoque por parte dos produtores de carne, reunidos nos pólos: reduzir a obsessão pelas exposições e aumentar/pressionar o surgimento das chances para empresários não-produtores, mas que sejam excelentes escoadores. É hora de pensar mais na cadeia produtiva do que nas pistas de julgamento, pois estas continuarão sua trajetória automaticamente, uma vez que já receberam combustível suficiente para chegar ao futuro.
Este é o caminho para continuar avançando para atingir rapidamente um rebanho de 100 milhões de cabeças, ocasião em que o país poderá começar a tratar de exportação de carne, com eficácia. Para tanto precisa de uma cadeia eficiente. Até lá, o Brasil terá implantado a ovinocultura de corte mais lucrativa do planeta.
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