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O Camelô das Secas

Autor: Zé Euflávio - 24/05/2013

Manuel Dantas Vilar Filho (Dr. Manelito) é um defensor de atividades mais resistentes que a seca. Manelito Vilar tem três traços típicos dos povos do deserto: a teimosia eterna, a fé no que faz e acredita e uma cumplicidade incomensurável com a terra, seus bichos e suas plantas.

O interesse de Manelito há muito tempo é o Sertão e os fenômenos do Semiárido brasileiro, como a seca, por exemplo. De tanto oferecer ideias sobre o tema, ficou conhecido por muitos pesquisadores como “O Camelô da Seca”. Ele leva e traz, sempre, informações e conhecimentos sobre as secas. A Seca é sua mercadoria e ele, o camelô.

Engenheiro de profissão, sertanejo por obra e graça do destino, fazendeiro e criador de bichos por opção, Manelito “já fez mais pelo Semiárido Irregular que todas as universidades do Nordeste”, segundo o escritor e jornalista Otávio Sitônio Pinto, em seu livro “Dom Sertão, Dona Seca”.

Aos 70 anos, Manelito é o inventor da técnica de fenação tropical, introduziu o capim Buffel no Brasil e desenvolveu uma tecnologia original de hidrolização de bagaço de cana, com a ajuda do seu primo, Sebastião Simões Filho. A fazenda Carnaúba, em Taperoá, onde mora, trabalha e desenvolve suas experiências, é visitada por pesquisadores, estudantes, amigos, jornalistas e curiosos. 

As cabras

Primo de Ariano Suassuna, Manelito selecionou três grupos de raças de cabras para desenvolver o que chama de “preservação com regeneração”. As três raças são Moxotó Branca e Moxotó Parda e a Graúna, ou Preta Retinta. Essas três raças foram identificadas como descendentes das Brancas Pirenaicas, Pardas Pirenaicas e das Pretas Murcianas, melhorando os animais através do retrocruzamento com as respectivas avoengas europeias. Assim obteve as Brancas, Pardas e Pretas Sertanejas. Chegar a essas três raças tem uma explicação. “A Moxotó Branca representa o branco europeu colonizador; a Moxotó Parda representa os índios brasileiros e a Graúna representa o negro brasileiro que aqui chegou como escravo, vindo da África”, diz Manelito.

Essa estória de criar animais começou de muito longe, quando o pai de Manelito administrava a fazenda Carnaúba e criava gado Zebu. Em 1971, o escritor Ariano Suassuna lançou o romance “A Pedra do Reino”. Com ele, ganhou um prêmio literário.

Ariano convidou Manelito para uma sociedade. Ele topou. A partir daí, então, os dois primos percorreram a Ribeira do Pajeú, Sertão de Pernambuco, e os arredores de Patos, Sertão da Paraíba. “Nossa sociedade não é na base de uma cabra minha e outra dele; mas aquela lista que divide o espinhaço do bode, divide também as nossas partes: uma banda é dele e outra minha”, diz o escritor Ariano Suassuna, explicando como funciona a sociedade entre os dois.

Segundo Manelito, foi uma época difícil, de muita pesquisa e muito trabalho pelo interior. “Viajávamos nos finais de semana para frequentar feiras do interior, onde os sertanejos vendem, compram e trocam animais. Fomos comprando os animais e fazendo a seleção”, conta ele. O resultado é a preservação de animais adaptados ao clima, à seca e à região do Semiárido brasileiro.

Esses são animais de dupla função, ou seja, animais que servem ao corte e são bons produtores de leite.

- É desses animais que o povo do interior do Nordeste precisa para viver na região da seca e não o cultivo da terra para plantar grãos - afirma Manelito, realçando o que chama de “culturas lotéricas”. Para ele, “arar a terra significa desmontar o solo”.

É o próprio Manoel Dantas Vilar, ex-catedrático de Hidrologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que explica sua teoria: “Precisamos considerar a seca um componente intrínseco do trabalho rural e atuar racionalmente, reforçando a atividade mais resistente a ela, como é a criação de vacas, cabras e ovelhas”.

Hoje, Dr. Manelito está criando quase vinte raças diferentes, segregando e preservando o que a caatinga tem de melhor.

 

Raça Moxotó, das preferidas no Semiárido.

O cultivo

As fazendas Carnaúba, Pau-Leite e Bonito são empreendimentos-modelo, onde não se planta nada além de capim para os animais. No início deste ano, quando caíram as primeiras chuvas na região de Taperoá, o capim surgiu viçoso do solo. Pouco mais de um mês depois, quando pequenos agricultores ainda plantavam milho e feijão, Manelito reuniu os seus e foi colher o capim para fazer feno, guardá-lo e alimentar o gado em períodos sem chuva.

- Chamei um dos meus filhos e mostrei os sertanejos plantando milho e feijão e disse a ele: “está vendo, meu filho, enquanto nós estamos colhendo, eles ainda estão plantando”.

Daniel, o filho, riu orgulhoso da sabença do pai que tem.

A cultura do regadio

O professor e Dr. Manelito Vilar é contra projetos de irrigação para o Nordeste e a isso chama de “cultura do regadio” - a prática de se cultivar grãos e frutas através do uso excessivo de água. E dá uma sentença:

- Não se irriga onde não há água nem para beber.

Estudioso do Semiárido, Manelito tem a pluviometria da região registrada ano a ano, desde 1901. “Quem foi que disse que aqui é seco? Em Taperoá chovem 600 milímetros por ano, igual a Paris, por exemplo. A diferença está no clima, no uso que se faz do solo”, alerta. Segundo ele, há 200 anos discutem-se projetos de irrigação para o Nordeste brasileiro, com gastos e estudos mirabolantes que nunca saíram do papel e - quando saíram - os resultados foram desastrosos. Até agora não se chegou a nenhum resultado positivo. Com exceção de Petrolina, em Pernambuco, Juazeiro e Barreiras, na Bahia, onde a água passa à porta de casa e as terras foram compradas a preço de banana, sem falar na exploração da mão-de-obra, principalmente nos períodos de seca, onde a força de trabalho é oferecida a preço muito barato.

Por isso, ele diz que a transposição de águas do São Francisco não dará certo, porque a interligação de bacias é uma técnica que precisa de muitos estudos para evitar a contaminação e salinização do solo.

A solução, para Manelito, está no estímulo à criação de animais resistentes à seca e a introdução e cultivo de plantas adaptadas ao Semiárido. Afinal, é o Semiárido mais rico do mundo em leguminosas, que vem a ser a proteína da ração animal. A vargem da faveira, por exemplo, contém 24% de proteína bruta, o que é raro entre os vegetais. No início do século passado os australianos estiveram em Taperoá para buscar sementes de pequenas plantas. O Nordeste brasileiro ajudou os australianos a montarem uma das maiores pecuárias do planeta. Fez lá o que ainda não fez aqui.

Mexer na vegetação nativa? Conta Manelito: “Para criar uma rês a gente precisa de 15 hectares de mata nativa. Se assumirmos a realidade do chão seco, sem regadio, basta um hectare de capim Buffel para sustentar mais de um animal e produzir bom leite”

Assim, a verdade está na cara: só não enxerga quem não quer e está acomodado ao salário de funcionário público para nada fazer. Se quiser fazer, o caminho é fácil e está escancarado. A solução para o Nordeste é óbvia, científica, racional, já deu certo em muitos países.

Cabras da raça Azul, desde o Brasil Colonial.

O planejamento público

Dr. Manelito se acha monótono e diz que está cansado de repetir suas teorias sobre o Semiárido brasileiro. “Há muito tempo fico dizendo as coisas e não há interesse dos poderes públicos em colocar em prática as políticas que possam tirar a região da miséria”, afirma. “Isso é muito maçante”, prossegue. Segundo ele, as coisas chegaram a um ponto tal que um repórter da Rede Globo veio fazer uma matéria sobre o Semiárido e perguntou a Manelito, na fazenda Carnaúba, em Taperoá, quantas secas teve o Nordeste no século passado. A resposta foi monossilábica:

- Cem - respondeu Mané.

O jornalista ficou intrigado e devolveu a pergunta:

- Como cem?

Foi aí que Manelito completou a resposta:

- Em cada ano nós temos uma seca no Nordeste. O problema é quando uma seca emenda com a outra e, então, acontece um verdadeiro desastre. Na caatinga, porém, isso é fenômeno comum - ensinou ao jornalista.

Segundo ele, nunca houve planejamento público para o Semiárido. “Até a Escola de Agronomia do Nordeste foi instalada em Areia, uma cidade localizada em região de clima temperado. Para Manelito, a Faculdade de Agronomia deveria ter sido instalada em cidade do Sertão, ou no Cariri.

- Mas aquele homem de Tambaú levou a Escola de Agronomia para sua terra com um argumento simplório: “precisamos casar bem as moças da minha terra”. O “homem de Tambaú” aqui em questão é o escritor José Américo de Almeida. Manelito não cita o nome dele, nem muito menos o de João Pessoa. Tanto que quando vai viajar para a Capital do Estado, diz: “Vou à Paraíba”. As razões para isto estão nos acontecimentos de 1930, quando a Paraíba foi colocada de joelhos e começou a se promiscuir com ditadores.

 

Zé Euflávio - do jornal

“A União”, Paraíba.






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