Logo cedo, os animais partiam em disparada, como se fossem catar ouro lá no fundo da pastagem, pertinho do horizonte. Espetáculo que todo mundo gosta de ver: a miunçada querendo curtir a vida total. Na tardinha, hora de recolher, os mais agitados agitam a cauda como passarinho e, de repente, perdem as pernas, cambaleiam, não entendem o que está acontecendo e puff - caem ao chão!
Sem entender, o pastor trata de acelerar os mais tardios e eles, de fato, aceleram, mas logo estão tombando, alguns estrebuchando ali mesmo.
- Xiii! Não pode mexer com os bichos que eles caem - afirma Zezinho Durão.
Não houve jeito. Depois de perder dezoito animais, em três dias, o melhor era buscar o veterinário da cidade. O funcionário chegou, bufando: “Doutor, é pra vir logo, pois tem bicho morrendo um atrás do outro”.
O velhote pegou a maleta preta e logo chegou, cachimbo na boca, ar de sabedoria milenar, olhou e viu, ligeiro, vaca morta, ovelha morta, cabra morta, apertou um bicho inchado, e deu o veredito:
- Aposto cem pratas como tem cafezinho...
O fazendeiro deu um salto:
- Cafezinho? Aqui? Nunca.
O veterinário arregalou os olhos pela raiva mal contida do fazendeiro, mas este não parou a fúria:
- Nem cafezinho, nem cafezão, nem erva-café, nem mato-café. Nem erva-rato, erva-gato, nada disso. Nesta fazenda não tem erva matadeira, pois passamos um pente-fino, tim-tim por tim-tim..
- Bom, o senhor me perdoe, mas a Rubiácea não brinca em serviço e deixa a marca da botina, como todo bandido. Está escrito aqui no bucho da ovelha que é Rubiaceae palicourea marcgravii. Se não for, eu perco as cem pratas.
Enquanto saboreava o cafezinho com pão de queijo de Dona Nena, o veterinário de setenta anos ia explicando:
- Olha, o cafezinho provoca envenenamento, morte súbita, geralmente por nada, não tem sintoma, nada de nadinha. Os animais comem a planta, ficam agitados, começam a correr, o sangue circula e os mais ligeirinhos são os que morrem primeiro. Por isso, o melhor é não mexer com a bicharada.
- Uai, doutor, e bicho morre sem aviso?
- Nem aviso, nem nada. Simplesmente desliga da tomada e tchibum! - tá mortinho da silva! O veneno provoca um bloqueio geral na atividade celular. Não tem lesão, nada. Pode crer que mudaram os animais de cercado.
- Aqui ninguém muda bicho de cercado, sem receber ordens.
- Pois a mortandade está dizendo que tem fugitivo, tem buraco de cerca, tem cafezinho bem nascido e crescido.
O vaqueiro, cheio de medo de levar uma espinafrada, foi se aproximando, caprichando no linguajar:
- A gente solta os animais, cedo, e eles vão até o córrego beber água. Depois, se espalham. Quando a gente vai buscar, uns correm e caem que nem pedra.
- É cafezinho - sentenciou, de novo, o velho e respeitado veterinário.
- Pois eu ajudo nas roçadas, palmo a palmo, e posso garantir: não tem ca-fe-zi-nho nesta fazenda - respondeu o fazendeiro. “Deve ser cobra e precisamos de um benzedor. E tem mais: eu topo as cem pratas. O senhor, como promotor e acusador, pode mostrar as provas do crime”.
O velhote suspirou, pois apareceu trabalho pesado, mas não esmoreceu:
- Tá bom, me arranje um chapéu de palha que vou conhecer tudo, fazer uma benzeção contra cobra e - claro! - vou descobrir o cafezinho.
Muitas vezes, para ficar mais compreensível para o sertanejo, o velho veterinário dramatizava uma benzeção com algumas ervas catadas e pisadas, óleo, urina, fumaça, esfregava nos bichos e sarava. Ele sabia que a cura sempre teria sido por conta da injeção bem aplicada, mas para que perder tempo explicando muita coisa para quem não estava à altura de entender? Cada quero com seu lero, ou cada lé tem seu cré.
Andaram, andaram, viram o alto da pastagem bem feita, nada de cafezinho, nem sombra de qualquer outro tipo de erva. O pasto era uma beleza. Foram ao bosque, ao riacho, onde todos bebiam - nada de nada!
- Pois bem, terminou a propriedade, o senhor me deve as cem pratas, pois não tem cafezinho e, no entanto, a bicharada está morrendo. O senhor é dono da bíblia, mas essa bíblia está errada.
- Hummmmm! - grunhiu o veterinário, esfregando o queixo por onde escorria o suor que descia da testa. Deu um grande suspiro, e rematou:
- A bíblia nunca erra, se não que diabo de bíblia seria essa? Pois o patrão volte para a casa grande, ordene a galinha do almoço, que eu vou dar uma espiada mais aprumada por aqui.
Dito e feito, a turma se dispersou e o veterinário podia começar sua maratona de detetive buscando o local do crime. Começou a percorrer cada metro da cerca junto do córrego. Não demorou muito e descobriu um arame afrouxado e capim amassado.
- Ah! eis o portal do inferno.
O córrego era pequeno, havia caído uma palmeira, que servia de pinguela para as cabras. Curiosas, elas passavam para o outro lado. O mesmo fez o experiente veterinário e, na terra do vizinho, logo descobriu uma capoeira no pé do rochedo e gritou:
- Eureka! Um monte de cafezinho.
Recolheu alguns talos roídos da erva maldita e voltou, feliz da vida, para a casa grande. Chegando, fez a festa:
- A bíblia não erra. Arame frouxo, animais espertos, foram para o outro lado, cortaram erva e voltaram. As vacas comeram alguns talos e as ovelhas e cabras se empanturraram. Deu no que deu. Eu estava certo e o nobre fazendeiro estava errado.
- Eu? Errado? Nada disso. O ilustre veterinário disse que o cafezinho estava nas minhas terras. E não estava.
O motorista, calado até agora, sentenciou:
- Pois é: cabrita tem medo de gota d´água e quem diria que elas iriam atravessar um rio, para pegar um cafezinho no vizinho, não é mesmo?
(Adaptado de “O galinhista”, Edson Pereira, Goiânia, 2010, Funape, IPTESP, p. 63, com autorização)
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