Juvenal de Quinca era um vendedor nato, desses que vendia gota de chuva no sertão do Cariri. Orgulhava-se de ter vendido tudo que lhe caía nas mãos, qualquer quinquilharia e até penduricalhos de sorte.
Nas poucas vezes que se meteu pela capital, ajudou a vender o Pão de Açúcar, o Viaduto do Chá, o trem-bala. Em outra feita, ajudou a coletar ouro para salvar o Brasil. Era mesmo um vendedor muito bom e todos ficavam embriagados diante de sua conversice de tamanho incomunal.
O certo é que o escritor Rômulo Cartesiano dizia que Juvenal não devia nada para os “franceses que venderam a torre de Paris, ou para os gregos que venderam o Partenon, ou para os egípcios que venderam uma das Pirâmides, ou para os americanos que continuam vendendo sepultura na Lua”.
O sertanejo nordestino é dono de uma incrível tranquilidade e acredita nas pessoas que chegam e saem, principalmente em dias de feira. Nesses dias amontoam-se os vendilhões de bugigangas: celulares, rádios e dezenas de artefatos suspeitos. O sertanejo quer ver tudo!
Foi na feira de Cacimba de Baixo que Juvenal, precisando de uma grana, chegou com um enorme caixotão que despertava curiosidade.
Embolotou o mazuá, tomou um trago para afinar a voz e começou o sermão de comprovado vendedor:
- É aqui, pessoal, a salvação da criação. Suas ovelhas não estão comendo? Os bichos estão com fome? Estão fugindo das ramas? A solução está aqui. Nestes óculos abençoados por Deus.
Ajeitava os óculos numa ovelha tão dopada que parecia doente. A abestalhada ficava com aqueles óculos na cara, parecendo um zumbi adoidado no sol de carinana. Juvenal aproveitava:
- Veja aí, a marranzinha está até sorrindo, pois está enxergando tudo verde. Os óculos são a salvação divina. Tudo que estiver seco vira verde, pela graça da Ciência. Assim, as miúnças podem comer à vontade o que, antes, estava seco. E viverão felizes para sempre.
Dona Zefinha, metida a coronel, não gostou da provável mentiraria e espinafrou:
- Seu Juvenal, tenha jeito, homem! Os olhos são coisas de Deus. Todo mundo enxerga, ovelha, gente, burro, jumento. Então, se sua ovelha enxerga tudo verde com estes óculos, eu também quero ver!
Juvenal arrepiou, mas estava preparado para o rebote:
- Mas não dá, Dona Zefinha, por culpa de Deus que fez cada coisa de um jeito. Um urubu enxerga um preá morto no chão, lá do céu; a senhora enxergaria? Não. Um cachorro faz a festa na escuridão; a senhora enxergaria? Não. Um peixe nada na água suja, enxergando tudo; a senhora enxergaria? Claro que não. A onça enxerga a paca do outro lado do rio; a senhora enxergaria? Nada disso. Lagarto enxerga até de costa; a senhora enxerga? Não.
Percebendo um enrosco à vista, Juvenal completou:
- Foi assim que os cientistas resolveram estudar os olhos de cada bicho para corrigir as olhaduras e olhadices, nos momentos de precisão. Deus fez tudo certo para funcionar nas horas certas, mas a gente gosta de funcionar também nas horas tortas e os bichos também. Por isso, os cientistas inventaram os óculos para enxergar verde, quando tudo estiver seco.
Espertamente Juvenal ia colocando uns gravetos secos no chão e a abestalhada ovelha ia lá, devorando tudo com a fome de três dias que lhe roía a barriga.
- Vejam só. A ovelha enxerga tudo verde e come até o talo. É um santo adjutório de Deus Nosso Senhor nos momentos de precisão.
O certo é que, até o final da feira, a matula de Juvenal estava vazia, pois a esperança de bem alimentar as miúnças mexe com o espírito de qualquer sertanejo e não seria um par de óculos a mais, ou a menos, que iria fazer grande diferença. Houve gente que comprou até 20 óculos, para revezar nos lotes de ovelhas. Com certeza, Juvenal voltaria com outra novidade pra vender, só dentro de dois anos, no mínimo...
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