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O bode encomendado

- 06/10/2008

De tempos em tempos, ouvia-se o sino longo, monótono, triste, da igrejinha do povoado. Era sinal de que alguma alma se despachara para o além e que, agora, estava saindo da igreja para o “vale-do-pó”, como dizia o padre que, às vezes, passava por ali. Uma coisa era certa: seguindo o cortejo estava o bode Lampião. Todos comentavam:

- Isso não é lampião, é lamparina, pois está sempre acompanhando as pessoas pro escuro.

Nunca perdeu uma “encomenda” ou “recomenda” de alma que, geralmente, é feita pelo Seu Lilico, jovem-velho de tanto ler velhos livros. Seu Lilico sabia as palavras para despachar corretamente as almas, algumas até em latim.

Na quaresma e outras ocasiões, lá ia o bando dos recomendadores, Seu Lilico à frente, com cobertores na cabeça. Um deles sempre levava um porrete enorme, para assustar o Cão diabólico e também os cachorros dos quintais onde queriam entrar. No fundo, eram músicos: carregavam berra-boi, sacarraia, matraca, pandeiro, triângulo, bumbo e outros objetos que, juntos, ajudavam na encomendação das almas. Quem disse que alma não aprecia boa música?

Na porta da casa, começavam com o hino “Pé de chegada” e, logo, já dentro da casa, cantavam o “Quando nesta casa eu chego”. Depois da cantoria, vinha a rezaria, Pai-Nosso e Ave-Maria (o resto ninguém sabia). Só percorriam um número ímpar de casas, geralmente sete por noite, mas podiam ser nove, onze, treze, dependendo da inspiração alcoólica.

Fiel a toda maratona de encomen­dações estava o bode Lampião, como lamparina, alumiando os passos na escuridão. Fazia parte do grupo. Por isso, as casas colocavam nas janelas café e bolo para os en­co­men­dado­res e, pendurado, um molhe de folhas novinhas pro Lampião. Todos comentavam:

- Sempre hou­ve canta­do­res, mas nunca uma turma co­mo essa, até com um bode a tiracolo, para apaziguar o além.

Assim, a vida nunca seria boa se não houvesse os encomendadores de almas. Até que, um dia, sem mais porquê, Lampião comeu algo, tossiu, retossiu, trestossiu, endureceu o pescoço, estatelou os olhos, não achou ar e se esborrachou no chão. Estava mortinho da silva.

O grupo discutiu e Lilico concluiu que ele, Lampião, fiel acompanhante das almas, tinha que ser velado, pelos serviços prestados e ter uma encomendação digna.

O padre negou-se a receber Lampião na igreja, pois seria um sacrilégio oferecer sacramento para um bicho, mas, pa­ra sorte geral, logo ele montou na mula e foi pro povoado vizinho, deixando a igreja livre pra cerimônia. Não haveria sacramento, mas haveria uma en­comen­dação - claro! - e, então, não seria pecado!

 

 

 

Foi assim que o bode Lampião mudou seu ar assustado pa­ra um sorriso enorme, grandioso, com direito a um caixão florido. Afinal, era parte da vida local que se despedia: não haveria outro Lampião tão cedo.

O grupo da “recomenda” gastou todos os versos, estrofes, poesias, canções e cançonetas, noite adentro, regando a inspiração aqui e acolá com um bom gole e oferecendo umas gotas para o alegre Lampião, tão bonito em seu caixão. Ninguém jamais esqueceu aquele sorrisão tão bonito de Lampião e muitos diziam:

- Quando morrer, quero ir pro céu com aquele sorriso de Lampião.






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