Página Inicial BUSCA no site












Estaremos em recesso no perí¯¤o de 21 de Dezembro a 10 de Janeiro.
Os pedidos realizados nesse perí¯¤o ser㯠processados apã³ essa data.

Feliz Natal e um Prã³°ero Ano Novo!


Matérias



Segurando o maligno

- 08/09/2008

Todo domingo era especial, com rou­pa nova, missa logo cedo, feira barulhenta, era mesmo um feriado. Sempre esta­va lá Jeromo e seu bode Rojão, com co­leira nos trinques, brilhosa, desfilando o xampu da véspera.

Neste dia, Jeromo se distraiu e Rojão se enfiou numa lixeira, pouco respei­tando seu caríssimo perfume, enfres­teando as patas na busca de um bem-bom. Ninguém viu, ninguém provou, mas Ro­jão virou uma peste depois disso. Voltou pra feira, arrasando tudo. Tinha os olhos esbugalhados, olhando o ­muito além. Era um zumbi doido solto na quebradeira. Rebentou barraca, taboado, misturou frutas, sujou queijos e quanto mais se mexia, mais se enrascava em cordas, fio, panos, panela. Um alvoroço total.

Começou então a pular sobre alguma coisa invisível, tentando se livrar. Mui­ta gente levou coice, patada, topada, tropelada, pancada, chifrada. O bode, de san­to, virou demônio sem mais porquê.

Jeromo foi se chegando, falando o nome, mas o bode rosnou feio e uma mar­rada certeira enviou o dono pro hospital logo atrás da igreja. As mulheres correram, a criançada gritava, a molecada que­ria mais farra, os homens se juntaram pa­ra dar um fim a tanta encrenca. Tenta­ram pegar o bode, mas não houve jeito; es­corregava, escabritava, retorcia, mordia, ninguém segurava tamanho desafeto.

- Tá com a bubônica, esse filho de satanás - vociferou Neco, do açougue.

- Vai ver é a tal vaca-louca que pegou o bode - apostou Jaime de Nena.

Foi aí que chegou o padre e viu tamanha anarquia. Olhou nos olhos do mu­fungo e nem pestanejou: abriu o ­vidrinho de água-benta e jogou no bruto, falando "vate retro" que devia ser algo misterioso para curar a doença.

 

 

 

O bode disparou, babou, relinchou, quase latiu, grunhia, falava várias línguas, jamais vistas na região.

- Isso é o próprio Cão - falou o padre, benzendo-se de cima em baixo, logo acompanhado pela multidão. Quando a feira havia se transformado num monturo, ouviu-se um espocado: o coronel ha­via disparado sua velha carabina no desafeto que rodopiou no ar e foi se esborrachar lá no meio da carne-de-sol es­parramada no chão. Ficou com um sorriso esquisito, babando, olho arregalado; ninguém queria chegar perto.

- É o diabo olhando a gente - sussurrou alguém.

O bode, que era famoso pelo charme, então virou lenda. Ganhou caixão-de-defunto, flores, coroa. Jeromo fez até discurso regado a uma boa cachaça e a criançada acompanhou o enterro ao lado do cemitério. Ali foi construído um túmu­lo de tijolo, bonito, com pedestal e tudo o mais. A mão-de-fada da cidade fez até uma estátua do bode e colou por cima de tudo. Jamais um bode foi tão cerimoniado.

O padre compareceu, mas rezou de contramão, pois disse que o bode podia ter feito um pacto com o diabo e sua re­za só teria serventia se fosse um bode do bem.

Veio a primeira noite, sendo notícia obrigatória que destampou muitas garrafas noite adentro. No dia seguinte, veio a notícia:

- Amarraram o bode. Amarraram o Rojão.

Todos correram para o túmulo e lá estava o motivo da confusão: o túmulo estava acorrentado, com cadeado e tudo o mais. Até a estatueta estava com correntes finas, entrelaçadas, para não deixar escapar a alma do Cão.

- Morto tem que ser assim, com se­gurança - garantiu o coveiro Firmino do Ó - que jurou ter acorrentado o dito-cujo dentro do caixão, pra maior garantia. Qua­tro correntes e sete cadeados. Agora, o Cão tá bem preso.

Até hoje todo turista que passa pelo povoado faz questão de ver o túmulo acorrentado que, talvez, guarde o diabo mais bem guardado do mundo.






Link para esta p᧩na: http://www.revistaberro.com.br/?pages=materias/ler&id=960


Desenvolvido por Spring
rea do usuᲩo

 
Cadastre-se para acessar as mat鲩as restritas, clique aqui.

Esqueci minha senha!