O que é melhor: usar um reprodutor puro-sangue ou um mestiço?
Se é o puro-sangue, então por que o mestiço vale tanto?
Por que a diferença entre sertão e exposição?
O nó górdio tornou-se famoso na História, pois ninguém conseguia desatá-lo, até que chegou o grande imperador, sacou da espada e, num único golpe, acabou com o mito. A produção de carne ovina vive o momento do nó górdio, falta chegar o imperador com sua espada e inaugurar um tempo de vitória.
O Brasil ainda é um pequeno consumidor de carne de cordeiro e, mesmo diante do momento eufórico atual, continua consumindo carne importada de vários países. Onde estão os milhões de produtos que deveriam estar lotando os frigoríficos? Simplesmente desaparecem nas estatísticas governamentais que são flébeis; a maioria dos animais sequer chega ao frigorífico. O rebanho nacional é apresentado como sendo da ordem de 14 a 20 milhões de cabeças, mas - numa simples análise da classificação dos estabelecimentos rurais por região - verifica-se que pode passar de 36 milhões de cabeças. Ou seja, os produtores estariam “escondendo” mais de 50% do rebanho? Sim, pois uma boa parte dos produtos é destinada a um consumo próprio e, não raramente, a um consumo muito específico (doação para entidades, para eventos tais como formaturas, casamentos, etc.). Mesmo com esta nova estatística, o Brasil continua sendo importador de carne de cordeiro...
Há um enorme espaço a ser ocupado no cenário internacional, o qual pode ser muito ampliado, desde que haja oferta de carne. O Brasil, além de tudo, é o único país com potencial para expansão na ovinocultura, a curto prazo. Eis uma relação simples de oportunidades para criação de ovinos de corte:
a) substituindo granjas de frangos desativadas.
b) substituindo pecuária de vacas leiteiras desestimuladas pelos planos governamentais.
c) ocupando pequenas áreas não-aproveitáveis nas culturas de milho, cana, algodão e soja.
d) em consórcio com bovinos, no braquiária.
e) em consórcio com agricultura (pomares e florestas).
f) estabelecendo pólos de compra e terminação, em galpões de confinamento.
Se o país não se converter num notável produtor de carne, a própria ovinocultura brasileira corre o risco de estagnar, passando da fase eufórica para uma de melancolia. Se outros países conseguiram, por que esse imenso Brasil não conseguiria?
O que significa, então, produzir carne? Significa manter o rebanho em condições adequadas, tais como:
l 1 - Boa Genética - contar com bons animais que se perpetuem na progênie.
l 2 - Boa Sanidade - ter um manejo adequado à própria região para reduzir verminoses e outros males.
l 3 - Boa Nutrição - adotar técnicas adequadas que permitam chegar à idade de abate indicada pelo mercado.
l 4 - Bom escoamento - contar com um sistema viável e lucrativo para todos os participantes da cadeia regional de produção.
Parece muito fácil, mas não houve esforço governamental para estabelecer a cadeia produtiva e tampouco houve consenso entre as entidades de classe tendo em vista cooptar empresários para estabelecer uma cadeia definitiva de produção de carne ovina. Isso inclui abatedouros, entrepostos de comércio, exportadoras, redes varejistas, entidades de estímulo, entidades de fiscalização, todas conectadas com o produtor.
Em resumo: o Brasil está só engatinhando na função de ser um produtor de carne ovina. Depois, poderá vir a ser um médio produtor de carne. Mais além, poderá vir a ser um grande produtor de carne. Isso é muito bom, pois há um grande futuro a ser atingido. Por outro lado, é mau, pois esse futuro já poderia estar sendo atingido, hoje.
Como exemplo, veja-se a empresa que cria 680.000 cabeças na Nova Zelândia (Berro nº 113, p. 56). Parece muito, mas a diretoria diz que está apenas engatinhando no mercado mundial e que vai crescer muito mais! No Brasil, contam-se nos dedos os rebanhos com mais de 10.000 cabeças. Ou seja, o país está longe de atingir o ideal e, por outro lado, tem tantas vantagens que fazem o futuro estar tão perto.
O gado Nelore gastou mais de 100 anos de história no Brasil, sem conseguir um lugar ao sol, mas - em apenas 20 - deu a volta por cima e transformou o Brasil no maior produtor e exportador de carne. Cabe à ovinocultura também dar este salto.
A produção de carne ovina é o novo grande salto que o Brasil vai dar: já deu o salto do frango, já deu o salto do porco, já deu o salto do boi, agora é a vez do salto do carneiro. Só o Brasil tem condições de se transformar no maior produtor de ovinos e maior produtor de carne: ele tem que cumprir mais essa missão. Esse é um incrível filão que atrairá muitos investidores.
Para falar de produção de carne ovina no Brasil é preciso falar na raça materna, ou nas raças maternas. No momento, a mais preconizada é a Santa Inês. Ela já faz parte da revolução na atividade e, se for convenientemente selecionada, estará gerando frutos duradouros. É preciso ter um Santa Inês realmente lucrativo, mas o que isso significa?
Melhoramento acelerado
Na ovinocultura de corte, ainda há pessoas que sentem calafrios diante de um mestiço de Santa Inês (lanado + deslanado), sendo utilizado como reprodutor no campo, pois assimilaram somente a primeira parte do jogo que é a de aperfeiçoamento genético de reprodutores. Todo cientista grita nas tribunas: “mestiço não é reprodutor”, mas o sertanejo nem pestaneja, compra um Dorpinês e sente-se muito bem com a produção na fazenda. A fêmea comum vale R$ 150, mas a meio-sangue Dorpinês vale R$ 400! Um macho Dorpinês 3/4 vale R$ 700. Por que estes preços tão altos para um produto tão anti-científico? Simplesmente porque não existem os produtos científicos. O Nelore de pista é fabuloso, mas apenas 3% do gado sertanejo é inseminado, o que mostra que os reprodutores mestiços campeiam por lá, à vontade. O mesmo acontece entre os ovinos. A Ciência diz a verdade, mas ela está longe do campo, o qual não pode esperar e, então, vai usando o que pode!
Muitos empresários, por sorte, já estão notando que poderiam estar lucrando milhões - como fazem os bovinocultores, nos campos - simplesmente produzindo carne. Um empresário pode construir galpões, rapidamente, e confinar cordeiros comprados em um dos 13 pólos paulistas. O lucro seria quase imediato, entre 90 a 120 dias! Negócio bom e fácil. O Brasil logo poderá ter centenas de pólos produtores, cada um com seus galpões de terminação. Havendo os galpões, ficará mais fácil padronizar as carcaças. Havendo carcaças lucrativas, os frigoríficos terão que pagar melhor. Os frigoríficos lucrando, logo o país estará exportando. Bom para todos. E o Brasil chegará a 100 milhões de cabeças, num piscar de olhos, com alta genética para vender para o mundo inteiro.
l Pacote fechado - Há milhares de bovinocultores produzindo carne, nos sertões brasileiros. Eles são citados na imprensa como exemplo: criam tão bem seus bovinos que recebem até preços especiais dos frigoríficos. Não são selecionadores e, no entanto, passam férias em Paris, todos os anos! Para eles, não interessa a festa de exposições, mas apenas um pacto firme com São Pedro, o comandante das chuvas.
Por outro lado, alguns frigoríficos do Sudeste já deixam claro que “não compram Santa Inês” puro-sangue para abate, por não apresentar uma carcaça homogênea nos lotes. Estes frigoríficos preferem os mestiços, pois são animais superiores em termo de rendimento de carcaça, com maior camada de gordura para refrigeração. Enquanto isso, no outro extremo, ainda há criadores que advogam que o animal puro-sangue não pode ter lanugem - exatamente como faziam os produtores da década de 1950!
Ao mesmo tempo, o Santa Inês é a principal raça materna nos cruzamentos. É recusada no abate, mas é ideal no campo! A Ciência diz que é isso mesmo: nem sempre a raça materna tem que ser também a melhor no gancho. A raça materna precisa garantir o futuro, as progênies sucessivas, a adequação ao meio ambiente. Já a raça paterna entra com o vigor híbrido necessário para produzir cordeiros de crescimento veloz e de carcaças exuberantes. Esse é o caminho a ser seguido pela raça Santa Inês, em sua grande parte.
Para o empresário da carne, não interessa o padrão racial muito rigoroso, nem a exigibilidade do grau de sangue, mas sim o produto final pendurado no gancho, com boa lucratividade. Então, surge a pergunta: “por que o Santa Inês ainda não garante a carcaça pendurada no gancho”?
A resposta é: porque ainda há um bom trecho da estrada zootécnica a ser percorrido e, então, como parece que isso não tem merecido grande atenção por parte das autoridades, os poucos produtores de carne vão atalhando o caminho, utilizando raças exóticas.
Muitos selecionadores tentam melhorar zootecnicamente a raça Santa Inês. Não há dúvida de que produzir animais de elite é muito gratificante, mas é tarefa sacerdotal, ou seja, é reservada para poucos. A Ciência, no entanto, precisa provar linhagens e isto é feito por meio de Testes de Progênies e de Testes de Carcaça, sendo mais fácil e mais seguro em grandes rebanhos produtores de carne. Testes feitos apenas com animais de alta elite não conduzem a resultados confiáveis; o ideal é verificar a influência dos puros sobre variados graus de mestiços, exatamente como acontece na fazenda produtora de carne. É de lá que saem os resultados confiáveis. No futuro, haverá um Serviço de Teste de Progênie, envolvendo grandes produtores de carne, com benefício para todo país.
Uma coisa é certa: enquanto o Santa Inês não apresentar milhões de animais, com a necessária lucratividade no momento do abate, será fartamente utilizado apenas como “ventre”. Então, muitos enveredam por caminhos espinhosos, como injetar sangue clandestino no Santa Inês. Surgem, então, duas correntes contrárias:
a) o mestiço é preferido pelos frigoríficos, mas é rechaçado como erva-daninha nas exposições. Basta uma lanugem no costado e o animal vai para a cerca, nas exposições.
b) os frigoríficos aconselham os produtores de carne a utilizar mestiços como reprodutores, para garantir a convexidade de carcaça, o marmoreio e a necessária cobertura diante do frio das câmaras.
Quem ficará com a razão, no final? A resposta é fácil: o cifrão! Será vitorioso o animal, ou raça que provar ser melhor remuneradora do capital investido.
Conclusão
Cabe às entidades de Santa Inês discutir o real papel da raça no cenário brasileiro, fincando o pé a favor do produtor de carne, seja ele criador de Santa Inês, ou não. Exatamente como o Nelore começou a fazer há 20 anos para tentar salvar seu trono.
Hoje, a maioria dos ovinocultores quer Santa Inês porque está dando lucro, uma vez que machos e fêmeas são vendidos para quem está apenas formando novos rebanhos. Aqueles poucos que estão dedicados à produção de carne, no entanto, começam a enxergar que o mestiço é mais remunerador, tendo até um preço mais convidativo no momento de chegar ao gancho. Estes poucos produtores de carne logo serão milhares, preferindo as mestiçagens desordenadas e, então, tardiamente (como aconteceu no Nelore) surgirão entidades tentando colocar ordem na casa, abrindo convênios com universidades, realizando Testes de Carcaça, Testes de Progênie e, quiçás, tentando enquadrar os mestiços em livros especiais (pela produtividade e até por genealogia).
O ideal seria que o Santa Inês assumisse, agora, o papel de colocar ordem na casa, zelando pela produção de carne desde já. Assim fazendo, no futuro não terá que disputar, aos trancos e barrancos, o fabuloso mercado (que tão duramente abriu) com outras entidades.
Esse é o desafio para a ABSI e para a ARCO, duas entidades que congregam perto de 2.000 criadores de Santa Inês, as quais, juntas, somam cerca de 20 milhões de cabeças. Vale a pena investir no domínio da expansão que irá dos 20 até 100 milhões de cabeças. Esta expansão terá como objetivo a produção de carne, em todos seus aspectos, e terá um sentido empresarial, vibrante, que levará felicidade a milhares de produtores rurais.
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