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Questão de junta

- 16/05/2008

Abelardo era o conhecedor dos ma­les de qualquer tipo de animal. Se ­algum tossia, Abelardo logo receitava: “é mal da venta quente”. Se o animal se contor­cia sem parar, logo dava a receita: “é esquiquiança chegando”. Se não era calor e a cabrita abortava, logo dizia: “é bu­cho sujo”.

Não havia doutor que ­emparelhasse com Abelardo para não tirar o boné e con­fessar:

- Seu Abelardo, o senhor não tem di­ploma, mas é cheio de sabença.

Para cada um que visitava o doutor diplomado, havia cem que visitavam o Abe­­lardo, saindo sempre com um sor­risão na boca, pois ele não cobrava e ain­da acertava no veredicto. No seco e no molhado, ou seja, de cara sã ou cara-cheia de cana, Abelardo acertava todas.

Certa feita, o coronel Sinfrônio, sempre com aquele ar de metido-a-besta, dono-do-mundo, comprou um carneirão, um super, um máximo. Ai de quem pensasse mal do carneiraço do coronel! Nem bem comprou e já colocou no juizado da feira, onde todo mundo podia apostar no animal preferido. Muitos apostavam só pa­ra perder e, ao mesmo tempo, ganhar o direito a uma cobertura do super-super.

- O indivíduo perde com honra, pois tem o direito de melhorar sua carneirama, com uma cobertura do bem-bom.

O carneiro, satisfeitíssimo, cumpria com perfeição seu trabalho, ali mesmo no terreiro da feira. O certo é que o carnei­raço do coronel ganhava todos os pá­reos, de todos os sábados, logo depois da missa e cobria bem uma dezena de don­­docas, sempre querendo mais. Esse ar­ranjado fazia bem para todo mundo e nin­guém pensaria em mexer neste jogo de vencedores.

Tudo correu muito bem até o dia em que a ovelhama e e marranzada da região começou a parir a filharada do su­per-super. A notícia correu e logo o veteri­nário plantonista pediu água, pois não atinava com o mal que estava ali sendo parido, um atrás do outro. Chamou os co­­­legas de branco e cada um dava uma re­cei­ta diferente para tamanha ­estranheza.

As ovelhas pariam normalmente, sem dores, contrariando a Bíblia que dizia que deviam sofrer, mas as crias eram mesmo muito esquisitas, parecendo de outro planeta. Umas tinham cinco ­patas; outras não tinham pescoço; outras tinham um traseirão e nada de frente; ou­tras tinham um cabeção e nada de patas; outras tinham uma orelha enorme e outra anã; uma tinha dente, mas não tinha lábios; um machinho tinha tudo no lu­gar, menos a verga; outro tinha cara de cachorro; outros pareciam uma mistura de ovelha com macaco.

Tamanho desacerto nas coisas da Natureza só podia ser obra do Cão, o Todo Malvado, que teria amarrado o su­per-super em suas maledicências. O padre ficou horrorizado, mas negou-se a jogar água-benta no super-super; caridade que foi feita por uma beata do segundo degrau do altar. Estranhamente, o super-super não pegou fogo, nem aconteceu o estalo, que acompanham as tra­quinadas do Cão em suas andanças pela Terra. O problema era daqui mesmo, su­jeito à explicação dos homens.

O coronel mandou buscar doutor ve­terinário em várias cidades, para fazer uma sessão na praça, e logo havia uma por­ção de jalecos brancos analisando as crias que nasciam e morriam, ou já cresciam aleijadinhas de fazer dó. Analisavam cada cria e, depois, vasculhavam o su­per-super: garganta, quentura, pêlo do sovaco; dobradura da cauda; unhas; mal-de-verga torta; e mil outras coisas. O carneiraço nem se ligava, pois só esperava a outra safra de dondocas.

Quando o veredicto não saía, alguém se lembrou: “Vamos buscar o Abelardo”.

Dito e feito, foram acordar o curandeiro que estava num porre homérico, há dias, curtindo a última chifrada de uma longa sequência que era por todos feste­jada e comentada. Era um doutor bom de veredicto, mas ruim de mulherio. Por sor­te ele mergulhava a amargura na garrafada e logo estava pronto para outras, para gáudio da cidade.

Meio acordado, tremulando nas pernas, mais carregado que andado, foi se chegando o Abe­lardo, ouvindo o zum-zum do po­varéu e a gritaria do coronel:

- Olha aí, seu Abelardo, um super-super carneiraço, mais festejado que o César das antigas Romas, cruzou as melhores ovelhas e veja só a porcariada que está nascendo. A que diacho se deve tamanha desgostura?

Abelardo olhou um mons­tren­go, dois monstrengos, vinte monstrengos, tropeçando aqui e ali; apalpou um; enfiou o pé em outro; enfiou o dedo na nuca dum pixote; ­puxou as patas dum aleijão; aprumou-se; ­pediu o copo que o ajudante carregava; bebeu lentamente com os olhos voltados para o céu como se estivesse pedindo ordem para Deus; empertigou-se como juiz pom­poso, deixando claro que podia dar o ve­redicto.

A multidão inteira se calou, pois ia fa­lar o grão-mestre de todas as redonde­zas. E ele, erguendo o copo, foi categórico:

- É questão de junta!

Foi um bafafá, um lufa-lufa. Os vete­rinários queriam saber se havia ­excesso de selênio, ou falta de magnésio no sêmen do carneiro; ou cloreto de qualquer coisa. Enfim, algum nome esquisito para explicar o mal das juntas que o doutor-sertanejo havia veredictado. Ganhando co­ragem diante da sumidade, tentaram uma explicação:

- Questão de junta como? O quê? Todos os bichos comeram muito bem e, então, não podia haver mal de junta. Os exames mostram que esta epidemia não tem nada com artrite.

Abelardo balançou-se nas pernas, deu um sorriso maroto pro coronel, depois pra todo mundo e ditou sua sentença que deveria, como todas as que dissera até essa data, ser seguida com rigor:

- Eu disse junta, sim. Aqui é uma ques­tão de junta. Junta tudo e joga fora. Junta o carneirão também e joga fora. Esse é o único remédio: junta tudo e joga fora.

O populacho aprovou e a feira ganhou motivo para esquentar a festa e as goelas por muito tempo.






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