Um artigo de Polan Lacki mostra que o Brasil é, de fato, muito rico, tanto na agricultura como na pecuária e que bastaria isso para ter transformado o país numa potência mundial. Passaram-se 500 anos e isso não aconteceu. Por que? Faltou competência para assumir a realidade, só isso. O Governo sempre viveu nas nuvens e não na terra brasileira.
O país tem clima e solo abençoados por Deus, poderia criar gado no pasto, gerar riqueza para ter boas cidades, um bom sistema educacional para seu povo, boa distribuição da riqueza e muita felicidade social. A infra-estrutura da riqueza, com clima árido, clima temperado, clima frio, clima úmido, tudo!, está pronta e o brasileiro deveria ser o povo mais feliz da Terra.
Há tecnologia suficiente, sim, mas engavetada ou estacionada em centros-de-pesquisa, universidades, ou em mãos de poucos prósperos fazendeiros. A ponte ligando a modernidade e os que vivem no campo teima em não sair do papel.
Há meios de comunicação eficazes que poderiam atender milhões de proprietários rurais, rapidamente. Bastaria acioná-los, mas cadê a vontade política para tanto?
Ao invés de ajudar os 4,5 milhões de produtores rurais mergulhados no primitivismo e nos prejuízos constantes, o Governo de cinco séculos de experiências, estimula a invasão de terras e o plantio de novos proprietários que nunca sofreram na lida diária como os que já são donos por tantas gerações. Parece, então, que a pobreza atávica, já somando cinco séculos interessa a alguém, mesmo sendo isso um sinônimo de democracia canhestra, que mantém os rurícolas na eterna dependência de um poder público que sempre falha.
Por que os rurícolas continuam pobres assim? Primeiro, porque tudo que aprenderam com seus pais ficou desatualizado. Segundo, porque as escolas fundamentais não ensinam como gerenciar a terra. Nada têm de rurais, mas muito de urbanas, levando ao desencanto e desencontro entre a geração dos velhos e dos novos. Terceiro, o serviço público interessa-se em manter o cartório, a burocracia, castrando o pouco crédito rural existente ou canalizando-o para as grandes propriedades. A boa vontade pública, quando existe, não consegue chegar à porteira da fazenda. Quarto, as faculdades agrárias, apesar do nome, são excessivamente urbanizadas, longe da realidade tropical. Os professores são urbanos, que aprenderam em livros estrangeiros. Não há um único livro sobre Zootecnia tropicalista adotado por universidade brasileira! Há um divórcio entre o homem-do-campo e o formando. As pesquisas universitárias são realizadas mais na Internet do que dentro das porteiras, pois o que importa é obter o caro diploma final. A extensão rural praticamente existe apenas no papel.
Isso explica porque o rurícola não se interessa em contratar mão-de-obra diplomada. Emprego existe - e muito! - as universidades é que são inadequadas, pois ensinam tecnologias sofisticadas, de alto custo, que podem beneficiar entre 1 a 5% dos agricultores do país. O que fazer com os 95% de produtores rurais restantes? Por isso abundam os Congressos, Seminários, Simpósios, sempre para literatos, doutores, mas nenhum para o homem do campo. Alguém já viu um Congresso organizado por pessoas do campo? Na terra, as tarefas continuam sendo executadas pelos homens-do-campo e não pelos diplomados que deveriam estar no comando da atividade. Por isso, a Inseminação Artificial não passa de 6,0% do rebanho nacional enquanto outras nações ostentam 70, 80, 90%.
O fato é que os estudantes não regulam uma semeadeira, não fazem poda de árvores, não enxertam, não ordenham vacas ou cabras, não transformam "commodities" em produtos processados. Estão no vazio, no vácuo, defendendo seu diploma com unhas e dentes, mas sem grande serventia dentro das porteiras rurais. Boa parte deles, equivocadamente, acusam o homem-do-campo de "atrasado, primitivo", etc., quando o "inadequado, atrasado, primitivo" é o sistema educacional e, por extensão, o próprio diplomando acusador. A prova disso é que as lavouras e pecuárias continuam existindo, mesmo sem o aporte de mão-de-obra diplomada em faculdades, a qual é forçada a procurar emprego nos órgãos públicos.
Como mudar este cenário? É preciso dar início a duas maratonas:
1) convencer os "donos" do sistema educacional a priorizar a terra, o clima, a flora e a fauna onde todos pisamos. Priorizar, assim, o homem-do-campo, locado em sua terra, em seu clima, em sua vegetação, em seu próprio mundo, pois esse é o mundo pátrio, o grande patrimônio do futuro. Colocar patriotismo nos livros didáticos, tão ciosos de mostrar altas tecnologias de outros países, outros climas, outros povos! A contínua educação alienada pode alienar também o território nacional rapidamente, entregando terras para quem não as fará produzir, gerando uma revolução que desaguará na doação de territórios para estrangeiros produzirem somente o que querem: biocombustíveis e riquezas importantes para eles, não para os brasileiros. É preciso tropicalizar o Brasil, antes de tudo, aceitando a terra que Deus deu, como ela é, ao invés de continuar insistindo em adotar tecnologias de outras plagas. O homem brasileiro não é um "jeca-tatu" como pintam os literatos, ele é a mola propulsora do amanhã.
2) convencer o mercado a multiplicar o uso dos produtos da terra, gerando mecanismos que paguem o suor do homem-do-campo, ao invés de realizar uma produção-fantasia, adicionada à produção de exportação que enriquece apenas meia dúzia de pessoas.
Um bom começo, portanto, seria o Governo abrir os olhos para a formidável riqueza das ovelhas e cabras. É fácil chegar a um rebanho de 100 milhões de cabeças, mas isso somente poderá acontecer, sem desastres, se houver preços compensadores. O rebanho de ovelhas e cabras pode ser o maior do planeta, basta querer. Basta promover o escoamento adequado e lucrativo para todos. Enquanto houver espoliação do produto, na porteira da fazenda, o sistema estará beneficiando apenas o segmento terminador e não os produtores. Estará dando tiro no próprio pé.
Repetindo: as ovelhas e cabras são a bússola para medir o acerto do rumo do país, pois saíram dos 500 anos de inércia do país, depois de tanto tempo de abandono. Agora, o mundo exige o bom desempenho brasileiro no setor. O mundo quer comprar; o Brasil precisa produzir. Se as ovelhas e cabras tiverem sucesso, o país estará no caminho correto. Nada é tão óbvio como a chance de o Brasil produzir carne, leite e peles em larga escala para o planeta, adotando ovelhas e cabras como ferramental biológico adequado para o futuro. É uma sinalização de que algum Governo finalmente enxergou a própria terra onde pisam os patriotas que insistem em ali ficar, sabendo que, um dia, o sertão irá valer a pena.
Publicado na Revista O Berro n. 103
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