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As peles mostram o caminho

Autor: Rafael Araújo Coelho - 01/12/2003

Durante muitos anos a pecuária de cabras e carneiros do Nordeste foi tratada como uma atividade marginal de subsistência, praticada por produtores despreparados e desamparados, associada a baixíssimos índices de produtividade. O consumo era local, sem nenhuma pretensão nem condição de atender à demanda dos grandes mercados, mais de 95% dos abates efetuados sem controle sanitário e o animal abatido vendido em quartos ou bandas sem diferenciação dos cortes mais nobres.
No momento há consenso do importante papel que esta atividade pode desempenhar no desenvolvimento do Nordeste. Há consciência do grande desafio em transformar uma atividade desprezada numa importante base econômica, principalmente nas regiões de sequeiro, modificando o perfil de milhares de pequenos criadores pobres em produtores prósperos. De acordo com o Banco do Nordeste mais da metade do rebanho da região Nordeste está concentrado em propriedades com menos de 30 hectares. É uma atividade de grande capilaridade e imenso cunho social.
Fato recente e animador foi o despertar de empresários rurais para o fato que a pecuária desses animais é economicamente mais competitiva que a dos bovinos principalmente na região semi-árida. Caprinos e ovinos (carneiros deslanados) são mais resistentes à seca e adaptados ao ecossistema da região. Seu consumo de alimento é, em média, 10% do bovino e seu ciclo de reprodução mais favorável. Cinco meses para as cabras e carneiros, contra nove meses de gestação das vacas. A falta de visão econômica era tão profunda que, embora o preço pago pelo quilo do animal vivo ser historicamente maior para os caprinos, os pecuaristas não diversificavam suas criações.
Este ano o Governo da Bahia lançou um grande programa de desenvolvimento da caprino-ovinocultura. O programa prevê 1.700 pontos de água e 8 grandes áreas irrigadas para produção de feno visando atender a 25.000 propriedades (mais de 2,6 milhões de cabeças), beneficiando uma população de 126 mil pessoas. Todos os produtores receberão assistência técnica e os animais serão abatidos em salas de abate com controle fito-sanitário, que serão construídas em pareceria com um curtume. O Estado da Paraíba também desenvolve programas de apoio a caprino-ovinocultura, incluindo a parte leiteira. Outros órgãos federais estão iniciando movimentos para beneficiar o setor.
Estas mudanças em curso são muito importantes para a cadeia das peles. A indústria curtidora anseia pelo desenvolvimento da atividade e pelo seu amadurecimento. Todo e qualquer projeto de fortalecimento desta atividade reverterá em benefício da cadeia das peles. Os curtumes são o melhor ponto para medir se os resultados estão sendo alcançados, pela concentração e facilidade no levantamento de dados estatísticos/quantitativos. As peles são a "embalagem" que atestam se o animal foi bem cuidado ao longo da sua criação e no seu abate.
Ao longo dos anos as Políticas Públicas voltadas para o setor sempre foram muito tímidas ou inexistentes. Mesmo assim foram as restrições impostas pelo Governo às exportações de peles brutas (secas ou salgadas) durante a década de 1970 que obrigaram os grandes comerciantes da época a iniciarem o processo de industrialização, responsável pela alavancagem da indústria curtidora de peles. Esta decisão foi muito questionada na época, mas reconhecidamente criou um importante núcleo industrial. A maioria dos curtumes de peles do Nordeste surgiu neste momento, inclusive com a instalação na década de 1980 de empresas multinacionais ou de capital misto. Os curtumes do Nordeste são uma importante atividade industrial para a região, tecnologicamente atualizados ,inseridos num contexto extremamente competitivo, preparados para abastecer a indústria calçadista brasileira e enfrentar o mercado internacional.
O rebanho mundial de caprinos e ovinos é estimado em 900 milhões de cabeças e o abate é superior a 500 milhões de animais/ano. O rebanho brasileiro é estimado atualmente em 30 milhões de cabeças, menos 4% do rebanho mundial. Dos quais 40% são caprinos, sendo 95% no Nordeste e 60% ovinos dos quais 50% são os carneiros deslanados do Nordeste. Detendo-se exclusivamente no Nordeste, temos um rebanho de 12 milhões de cabras, com um abate anual inferior a 4 milhões, e um rebanho de 9 milhões de carneiros deslanados com um abate anual inferior a 4,5 milhões, ou seja, o Nordeste produz pouco mais de 8 milhões de peles brutas por ano. Esta produção é insuficiente para atender a demanda brasileira. Os curtumes têm capacidade instalada para processar mais de 12 milhões de peles por ano. Apenas os curtumes do Nordeste importaram em 2002 quase US$ 5 milhões em peles.
Atualmente a política tarifária externa brasileira, acordada com o Mercosul determina alíquotas de importação de peles de acordo com o estágio de industrialização que variam de 2% a 11,5%. No período de 1992 a 1999 importamos e exportamos quase os mesmos valores em peles: US$ 115 milhões contra 113 milhões, gerando um déficit de apenas US$ 2 milhões. No triênio de 2000 a 2002 exportamos menos de US$ 30 milhões e importamos mais de US$ 52 milhões. Apenas no ano de 2002 nossas importações foram superiores a US$ 20 milhões enquanto as exportações foram inferiores a US$ 9 milhões, gerando um déficit superior a US$ 12 milhões.
Do total importado, 70% são peles de cabras e mais da metade adquiridas pela indústria calçadista do Sul, geralmente em regime de "draw back". Mais de 50% do calçado de couro exportado pelo Brasil é produzido com peles (caprinos e ovinos) e couros (bovinos) importados, devido às limitações de quantidade e qualidade das matérias primas brasileiras.
A indústria brasileira tende a ocupar um espaço cada vez maior na linha de sapatos de nível médio alto no mercado internacional. Isto demandará mais peles caprinas e ovinas. O recente incremento nas importações e redução das exportações de peles deve-se em grande parte a uma maior demanda interna para fabricação de sapatos femininos para exportação. Esta é uma tendência consolidada nos últimos anos: a fabricação de sapatos de preços baixos migrou do Brasil para a Ásia e os de nível médio alto migrou da Europa para o Brasil.
Historicamente 80% das exportações brasileiras são de peles de carneiro deslanado e 20% de cabras . É importante mencionar que a pele do carneiro deslanado (ovino) do Nordeste é um produto nobre pelas suas propriedades de maciez, resistência e elasticidade, possui valor comercial muito superior à das ovelhas do Sul, com aplicações distintas na indústria. As peles das ovelhas do Sul são utilizadas para lã ou forro devido à sua baixa resistência. Os curtumes do Nordeste são responsáveis pela quase totalidade das exportações brasileiras, principalmente para a Itália, maior centro processador de peles e couros do mundo e para a Espanha.
Uma grande parte das importações brasileiras vêm da Nigéria. Este país , localizado na costa oeste da África, tem território inferior à do Nordeste, população de 140 milhões de habitantes e situação econômica mais precária que a da nossa região. Deverá produzir em 2003 quase 24 milhões de peles brutas, o triplo da produção do Nordeste.
A Nigéria deve, obrigatoriamente ser mencionada porque até o início da década de 1990 era um concorrente brasileiro no mercado italiano, vendendo peles de carneiros com qualidade e preços inferiores aos brasileiros. Atualmente a qualidade e os preços são superiores aos nossos, devo às condições naturais locais, de vegetação menos densa e espinhosa, ajudado pela maior concentração geográfica da região produtora que permitiu estabelecer critérios de compra de peles salgadas muito mais rigorosos, praticamente eliminando os defeitos ocasionados pela má conservação, esfola incauta e riscos de arame farpado. O resultado prático é que as peles são compradas e vendidas pelos curtumes a preços bem superiores aos praticados no Brasil. Uma única cidade concentra quase todos os curtumes do país, possibilitando a unificação de rigorosos padrões de compra, já que as peles são classificadas dentro dos curtumes.
O Nordeste deve se mirar no exemplo de países como a china, Austrália, Nova Zelândia e da própria Nigéria, a ampliar sua produção. Temos todas as condições e disponibilidade de espaço para atender uma grande demanda potencial de carne, pele e leite. No Brasil com uma população de 170 milhões, para sairmos de um patamar de consumo médio de carne/pessoa/ano ao redor de 1,0 kg e atingirmos um consumo correspondente a pelo menos um quinto daquele dos países de Primeiro Mundo, superior a 20 kg - seria necessário pelo menos dobrar a produtividade e o rebanho nacional. Teremos dado um salto imenso.
Não é lógico que nem nos centros urbanos nordestinos, as grandes redes de supermercados e restaurantes precisem importar carne ovina do Uruguai ou das longínquas Austrália e Nova Zelândia pela inexistência de oferta, falta de confiança no abastecimento e de segurança fito-sanitária. Temos todas as condições para ampliar o nosso rebanho, elevar os baixos índices de produtividade e buscar a melhoria da qualidade das peles produzidas de forma consistente. Não mencionando o sofisticado mercado de queijos de caprinos e ovinos que seria uma etapa gigantesca ainda a vislumbrar. Uma única empresa importou no ano passado quase US$ 1 milhão em leite de cabra!
A indústria curtidora está se empenhando em fazer sua parte neste processo, investindo em programas de melhoria da qualidade da pele. Realizando cursos de capacitação dos produtores de peles, distribuindo cartilhas e facas curvas e subsidiando a venda de sal com conservante. Foram firmadas parcerias com o Sebrae, o Centro das Indústrias de Curtume do Brasil (CICB), a Associação da Indústria de Curtumes do Nordeste (AICNOR) e o Ministério da Indústria e Comércio através da APEX.
Não será um trabalho de curto prazo, principalmente pela limitação imposta pela grande área geográfica envolvida no processo, que dificulta o acesso a um grande número de produtores e aumenta o tempo de trabalho devido aos deslocamentos. O mercado fornecedor de peles é extremamente pulverizado, reflexo do perfil do setor, formado por milhares de pequenos produtores que abatem seus animais nas suas propriedades ou nos espaços disponíveis nas cidades, sem nenhum controle fito-sanitário. As peles na sua maioria são comercializadas na s centenas e centenas de feiras espalhadas por todas as cidades do Nordeste, fomentando a atuação dos atravessadores que funcionam como a rede coletora nesta complicada logística regional. Esta longa cadeia de distribuição prejudica inclusive a qualidade de conservação das peles. As peles brutas são compradas por unidade, praticamente sem classificação. A expectativa é criar um sistema mais criterioso de tipificação considerando: conservação, esfola, tamanho e defeitos. Assim será possível beneficiar os produtores mais cuidadosos e incentivar a cadeia a trabalhar melhor.
A atividade curtidora requer um grande volume de investimentos e um elevado custo de operação - devido às rigorosas exigências de qualidade do mercado consumidor, que demanda investimentos pesados na aquisição de equipamentos, na contratação de pessoal capacitado e no carregamento de estoques. É uma atividade que requer grande consumo de água, e a consciência ecológica conduziu as empresas a adotar critérios severos no controle e tratamento de efluentes, a custo muito elevado. Apesar disto, a indústria curtidora nordestina está confiante, preparada para absorver o incremento de produção e disposta a ser um elo forte neste grande desafio de levar adiante o desenvolvimento da caprino-ovinocultura na nossa região.
 
In Anais do Sincorte 2003, p. 21-23 - Original: "Políticas públicas e desempenho da cadeia produtiva das peles caprina e ovina".
 
Publicado na Revista O Berro n. 61





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