No antigo e velho Pajeú, todos viviam do roçado, tristes, com roupa suja no lajedo, com cabritas magras esperando outro dia, com salário minguado pago pelo Seu Antero, homem duro na queda, de pouca prosa e muita ação. Com ele não tinha mais-mais, nem lero-lero, só trabalho duro.
Um dia, chegou o Zé, de sorriso escancarado, doido por um serviço que pagasse o comer. Arranchou-se num casebre no fundo da fazenda, vazando luz pelo barro caído, mas nem isso derrubou o sorriso maior que o mundo.
Casa suja, abandonada? Nada disso. Zé arranjava pontinha de tempo, amassava barro, tapou os buracos varejados, arrancou os matos e tratou de arranjar uma cabra emprestada, pra quem ele perambulava à cata de mato fresco, todo santo dia. A cabra gostou e aumentou o leite que nem existia.
A casinha do Zé ganhou destaque, tornou-se bonita, combinando com aquele sorrisão.
Vivia alegre, suado, como Deus bem queria e logo veio o apelido: "Zé Feliz". Nem podia ser outro. E chovia pergunta:
- Zé, como é que você trabalha cantando, suando, pra ganhar a mesma mixaria que nós?
A resposta veio deslizando:
- Ôxa! Só tem esse trabalho! Não tem do que reclamar. É pegar ou largar. Se eu não gostar, eu largo. Não tem porque reclamar. E é fácil ajeitar aqui, ajeitar ali, tudo fica bom.
Os outros, acostumados a ouvir que o patrão era gente ruim, que eles eram vítimas do destino, que deviam deixar tudo abandonado, rebentando-se no sol, comentaram:
- Como pode alguém pensar assim? Isso não é normal? Não tem nada pra ser feliz aqui nesse sertão.
A alegria do Zé cruzou porteira, cruzou cerca, chegou à casa-grande. Seu Antero viu a cabra engordando, dando um leite, tentou tomar do Zé Feliz e ele só rebateu: "Pode levar, é só me dar outra". Foi aí que Seu Antero viu que esse cabra não rejeitava serviço, nem amuava, nem perdia a esperança. Para arrematar, ainda dava aquele sorriso cada vez mais largo, sem assombro.
Zé Feliz começou a passear sempre com a cabra gorda, cada vez mais gorda, com ubrão de meter inveja. Era ele e a cabra. Um dia, Seu Antero destrambelhou a conversa:
- Zé Feliz, vejo que você cuidou da casa, cuidou do quintal, cuidou da água, cuidou da primeira cabra, cuidou da segunda, não faz mole-mole, então estou pensando em lhe dar alforria do trabalho e ser meu capataz.
Foi assim que Zé Feliz ganhou até um jumento para andar pela terra e ir até os povoados, fazer mandados do Seu Antero. E todos perguntavam, esverdeados pela inveja:
- Por que uns dão certo e outros dão com burro n´água?
Foi Zé Feliz quem respondeu:
- Sei não. Meu destino é meu, só meu. Então pra que viver mal? A gente ajeita aqui, ajeita ali, tudo fica nos conformes, como Deus quer. A gente não pode viver triste, pois tristeza atrapalha os planos de Deus. Eu ajudo a cabra, ela me ajuda, todo mundo pode se ajudar, não tem motivo pra tristeza.
Foi assim que, mais uma vez, uma cabra deu uma lição de vida para muita gente. As cabras são o retrato dos donos: cabra feliz, homem feliz.
Publicado no Be 100
Link para esta p᧩na: http://www.revistaberro.com.br/?pages=materias/ler&id=339