Neco era até bonitão, com jeito de marajá do deserto, meio beduíno, afinado, de nariz alongado, um tipão que despertava suspiros em muitas donzelas do sertão. Tinha um defeito: era um solteirão inveterado e só aceitava conversa de casório com o pé esquerdo bem colocado:
- Só me caso se o bode Jacó estiver no ato e for morar dentro de casa.
O certo é que Neco era conhecido em prosa e verso, frequentador do bar da feira, onde sempre levava o bode Jacó. E, sem dúvida, Neco tinha um cheirinho bem típico, apesar dos perfumes que usava. Por seu lado, o bode conhecia cada pedra da cidade e arredores, acompanhando os namoricos de Neco. As poucas moças que enfrentavam uma conversa maior logo desistiam, pois lá estava o bode Jacó, sempre de prontidão, com aquele cheirinho específico, atrapalhando o momento mais poético e frenético. Não havia moça ou moçoila que aguentasse!
O tempo foi passando, surgindo os primeiros fiapos brancos na cabeça de Neco, mas ele não ligava, pois tinha o fiel escudeiro Jacó, que também já estava meio passadão e também já não ligava muito para as cabritas da feira.
Um dia, no carteado, alguém se aventurou e empurrou o assunto:
- Neco, tem uma moça esperando para casar, linda mas braba como ela só, e só aceita homem que aceitar o dengo dela.
Neco arregalou os olhos! Poderia ter alguém igual a ele? Será que ela tinha chamego com uma cabrita?
- Pois diga mais, nego velho.
- Bom, o nome dela é Iracema, mora no Pé-de-Vento, na casa-grande e nem quer ouvir falar de homem que não goste do leitãozinho de estimação. É moça valente de quebrar faca.
Ora, ora, essa era uma novidade muito boa. Neco era um quebra-faca conhecido e, agora, surgia uma donzela quebra-faca! Parecia coisa do destino. Neco engraxou a sela do cavalo, enfatiotou-se e pegou a estrada em direção ao distrito distante, para ver essa raridade. Atrás dele, é claro, seguia o valente Jacó, cheio de dúvidas sobre tanta arrumação do senhorio.
Já no distrito, Neco chamava a atenção da mulherada. Pelo visto, homem bonito devia viver escondido! Todas arregalavam os olhos, ameaçavam um sorriso, mas - depois - enxergavam o bode Jacó e arrepiavam... Foi fácil descobrir a casa-grande e logo Neco estava tilintando a campainha, sendo prontamente atendido pela jovem que mais parecia um pedaço do céu despencado na Terra.
Neco ficara de boca aberta por um minutinho, igualzinho Iracema, pois há muito tempo não via um moço tão charmoso. Passado o minutinho de apreciação, a moça se aprumou e despejou a água fria:
- Olha aqui, seu moço, até que vosmecê é um bom pedaço, mas não sei se há de nascer o homem que vai impedir meu Filó de ir ao casório. Não tem mais-mais, se Filó estiver fora do arranjo, é ponto final, aqui e agora.
Neco fez um sinal elegante para ela se calar:
- Olha, dona, já senti que estou diante de uma princesa de valor, por quem não haveria Filó nenhum para me impedir diante de tamanha formosura, mas o problema é outro: eu também não abro mão do meu Jacó. Ou entra Jacó, ou é ponto final, aqui e agora. Tenho dito.
Iracema gostou de tamanha valentia, raridade nos garotões das discotecas modernas. Esse foi o começo: nenhum dos dois dando trela pro outro, mas ambos querendo nadar de braçadas neste oceano de amor à primeira vista. Neco alugou uma pendura no hotelzinho do lugarejo e foi ficando, pois era véspera da padroeira.
E, pela primeira vez, o povoado teve muito motivo para bate-boca: Iracema, a durona, circulando o tempo todo pela praça, pela feira, pelo baile, seguida pelo eterno Filó, em papo sorridente jamais visto com o visitante bonitão que também não desgrudava do bode Jacó.
No lusco-fusco, quando dava, roubava-se um beijinho, com mãozinhas apertadas, mas Jacó não queria papo com Filó e, quando podia, dava uma espetada e o porquinho guinchava: uiiiic! Adeus, beijinhos!
Depois de três dias, Filó já olhava rancoroso para Jacó, mas Iracema já estava implorando aos Céus que fizesse as pazes entre Jacó e Filó, pois seu coraçãozinho estava queimando de paixão e - que diacho! - seu amor estava sendo atrapalhado por um bode que nada queria com seu leitão de estimação. Pediu até para Santo Antônio fazer as pazes entre os dois bichos, mas nada!
Os dias se passaram, o namoro encorpou, Iracema só pensava em casar e se enchia de tristeza, pois Neco não gostava de porco e ela não gostava de bode fedoroso.
Foi o padre Juvino que deu a solução, marcando o casório para o domingo, em bruta festança: “Vamos fazer uma festa jamais vista. Na feira de sábado, todo mundo traz suas cabritas ou suas leitoas. Vamos fazer logo três casórios de uma vez”.
Dito e feito, no sábado havia muitas cabritas no curral da feira, Jacó ficou vesgo, rasgando fiapo de cerca, endoidou por uma, depois por outra, foi-se o sossego. Escolheu logo um lote de três cabritinhas que também só pensavam em esfregação. Por seu lado, Filó arrebitou o focinho para uma porquinha redondinha, imundinha, malcheirosinha, mas que era a inspiração de qualquer leitão adolescente.
Assim, chegou o domingo, a noiva Iracema era a mais bonita já vista; Neco estava deslumbrante, provocando sussurros na platéia, atrás ia Jacó e suas damas com argolas brilhosas no pescoço e, mais atrás, Filó e sua eleita, cheirando o chão. Neco gastou um bom dinheiro para comprar os animais que, nesta altura dos acontecimentos, haviam triplicado de valor - mas valia a pena.
Foi a maior festa já vista e até hoje todo mundo comenta que:
“quando Deus quer,
não tem Jacó nem Filó,
pois entre homem e mulher,
se existe muito amor,
da paixão vem o calor
e tudo acaba de um jeito só.”
Publicado no Be 84
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