Lá estava na feira a cabra bonitona, uma belezura, bem ubrada, todo mundo querendo, mas Zeca de Sena nem conversa queria, pois dizia ser o seu xodó. Até que chegou Apolinário e cantou prosa:
- Abra o preço, que a cabra já é minha.
Bom, vender, não, mas com preço aberto é difícil de aguentar. Aí já era demais, a cabra podia ser lindona, mas já estava meio passada na idade. Zeca nem pestanejou:
- Eita cabra macho. Pois é sua por 200.
E assim, sem mais-mais, a cabra mudou de dono, na hora. Nos acertos, veio a conversa-mole tão comum nas feiras de sertão, onde todo mundo se conhece:
- Seu Zeca, estou comprando sua bela cabra pro velho Zeferino. Ele disse: “Não me volte sem uma boa cabra”. É um mandado dele. Tome aqui esses 50 de apalavrado, que o resto vem amanhã, depois que entregar o bicho pro Zeferino.
Zeca fez muchocho, mas Zeferino era boa praça e, então, aceitou. E lá se foi a cabra puxada pela corda. No dia seguinte, chega Apolinário, aperreado:
- Seu Zeca, a danada da cabra nem chegou ao Zeferino. Morreu na tronqueira, por estrepulia do destino. De um salto torceu o pescoço e estrebuchou lá mesmo.
O vendedor não era besta e logo retrucou:
- Coitadinha da cabra! Tão bonita como ela só. Se Deus quis, que assim seja, mas vosmecê continua me devendo o resto do dinheiro.
Foi aí que o papo esquentou. A cabra não foi entregue, o dinheiro não entrou, pagar com quê? E Zeca, ficar sem a cabra? Nem pensar? Ou voltava a defunta, ou surgia o dinheiro.
Então, Apolinário, esperto como matrinchã na trapoeira, teve uma idéia:
- Vou rifar aquela outra cabra ali e fazer surgir o dinheiro.
- Mas, homem, como vai pagar as duas?
- Ora, a primeira defuntou; eu rifo a segunda,que segue o mesmo caminho e o dinheiro fica livre para a gente se acertar.
Zeca não entendeu, mas queria o seu dinheiro e cedeu a outra cabra gorducha e maninha, por 50. Apolinário recomendou:
- Ninguém precisa saber. Se alguém perguntar, você se faz de mouco sobre a segunda cabra.
A feira estava uma beleza, véspera de padroeiro, gente por todo lado. Apolinário desfilou a cabra, escovada, lustrosa, maravilhosa por todo lado, que estava sendo rifada por uma ninharia, merrequinha de tostão. Todo mundo via e logo fazia uma fezinha, pois quem não iria querer levar aquele patrimônio para casa? Num vupe, de tostão em tostão, Apolinário juntou os 200, depois pegou gosto e continuou vendendo: chegou a 300, 400, bateu nos 500 e - uau! - atingiu 700. Era dinheiro grosso pela reconchuda boa de churrasco.
Lá pelas quatro da tarde, chamou Jonas magarefe, transformou a gorducha em costelinhas, pernil e espetinhos e voltou para o centro da feira. Diante do povão - colocou a beata Maricota para escolher um dos papeluchos enfiados num saco, para ninguém ter dúvida quanto à seriedade da escolha. Sorteado o vencedor, deu o veredito:
- Pode pegar a cabra lá no Seu Zeca.
Ninguém entendeu, mas Apolinário disparou na frente, para a barraca do Zeca e esperou o ganhador que havia pago R$ 5,00 pelo imponente animal. Quando o felizardo chegou, recebeu a triste notícia:
- Amigo, meus parabéns pela vitória e pelo bom gosto na escolha da cabra, mas receba meus pêsames pela má notícia: acabei de saber que a cabra teve um disconforme e caiu durinha. Acho que foi alguma peste, insolação, ou alguma coisa que comeu. Os homens-de-branco levaram lá para o hospital e abriram o bucho para ver o que foi.
O homem embrabeceu:
- E eu com isso? Eu paguei; quero a cabra.
Apolinário puxou um embolado de dinheiro miúdo e foi falando mansinho:
- Olha, o destino é mesmo malvado. A cabra era tão invejada que só podia dar nisso. Eu vi que muita gente cresceu o olho pra cima de vosmecê, quando ganhou o sorteio. Acho melhor a gente implorar a Deus para não fazer essa maldita inveja do alheio sobrar também pro nosso cangote. Vosmecê pagou R$ 5,00 mas vou lhe dar R$ 100,00 por conta desse mal acontecido.
O homem olhou, duvidou, mas Apolinário, esperto como ele só, chispou:
- Diga aí, Zeca, a cabra que você me cedeu não morreu?
Zeca, com a maior inocência do mundo, confirmou:
- É, tá mortinha da silva.
O felizardo viu Zeca com o olhar baixo - garantia de que estava falando verdade - achou melhor deixar a cabra no além e embolsar os R$ 100,00 que, bem ou mal, dariam para esquentar muitas rodadas até o final da feira.
E foi assim que Apolinário acertou as contas com o Zeca e, no final, ainda ficou com R$ 300 de vantagem. Nem ficou sabendo, mas essa foi a cabra mais cara já vendida na feira...
Publicado no Be 82
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