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Matérias



Caprichoso mesmo !

- 01/02/2005

Não havia tratador melhor para cabra e ovelha do que o Nezinho. Saiu lá das Coremas e foi para a capital, trabalhar para fazendeiro importante. Era sabido mais que fio de navalha de militar. Especializou-se em atender os visitantes e compradores que vinham do Sul Maravilha para comprar as miúnças do patrão. Tinha cara de santo, voz de santo, uma atenção de amolecer coração, era todo mesuras. "Um amor de pessoa", logo diziam as mulheres. Às vezes, vendia o pior animal por preço muito maior que os premiados: era um professor na arte de passar seixo no momento de comprar e vender. A pessoa comprava o seixo e ainda agradecia a oportunidade.
Certa vez, um veterinário contratado acompanhava o visitante, e conhecendo a fama de Nezinho, foi logo atalhando a entrada para chegar nos entrementes:
- Senhor Nezinho, estes carneiros são todos assim: muitos fortes, bem musculados, aqui na fazenda?
Nezinho entendeu a provocação, mas era sabido demais para cair de barriga logo no tiragosto do longo dia que iria de ser. E respondeu com um muxoxo:
- É.
- Estão muito bem tratados, bem alimentados, pêlo brilhando. Uma beleza, não é?
- É.
- Seu Nezinho, estas marcas aqui no costado, parecem listras de tosquiadeira. É claro que ninguém tosquia Santa Inês de verdade e, então, o que é isso?
Seu Nezinho percebeu que, dessa vez, não tivera tempo de desfilar sua famosa educação, no início, e o tinhoso já estava despejando veneno bem na cara do comprador, ali do lado. Qualquer deslize e a venda podia ir pro beleléu. Tinha que mostrar sabença e seriedade. Trancou a cara e desafiou:
- Não, claro que não. Nem tosquiadeira a gente tem na fazenda. Isso aí foi uma medida veterinária que a gente teve que tomar. O bicho estava com "tinha-de-rataúna" e o jeito foi passar a peixeira várias vezes, baixando e cortando muitos fios, para alisar bem o couro, ativando a circulação. Ficaram as marcas, mas isso não preocupa quem entende do riscado. Daqui uns dias, tá novo!
O veterinário engoliu, por educação. É claro que ele entendeu a mangação de Nezinho e tentou acelerar a cabritama para o brejo:
- Seu Nezinho, esses bichos são novinhos e já estão possantes. O capim aqui da fazenda é muito bom, não é? O capim segue algum calendário?
Se o patrão do tagarela visitante não estivesse ali, Nezinho teria se atracado com o doutorzinho que estava afirmando que ele utilizava a famosa "ração calendário", tão comum em outros rebanhos. Era hora de esnobar educação e finesse: deu um sorriso amarelo, e explicou:
- Isso mesmo. Basta uma trovoadinha de nada e a babugem sai todinha, rica. E este ano, houve uma chuvarada boa, sem igual. Saltou leguminosa pra todo lado. Os bichos engordaram que nem rojão. Deu nisso aí. Mas não é sempre assim, não, seu doutor, pois no começo havia muito bicho que não engordava e a gente foi descartando, para só fazer seleção do que é bom mesmo.
O veterinário já estava nervoso, queria socar Nezinho, mas não descobria jeito, pois o homem tinha resposta pra tudo. Do alto de sua sabedoria catedrática, no entanto, estava na cara que os bichos eram tratados com ração - das famosas - e que haviam sido tosquiados. Resolveu dar a cartada final, aquela que precisa de muito preparo, para não melindrar homem perigoso.
- Seu Nezinho, estes carneiros têm uma musculatura de fazer inveja. Nós conseguimos isso lá na fazenda, com muita natação. Eles nadam, todo dia, não nadam?
Foi a conta! Tava aí uma coisa que Seu Nezinho não gostava: alguém chamá-lo de mentiroso, na cara, olhando nos olhos. Dizer que os bichos eram "artificiais"! Ora essa, cadê a educação dos bem-formados? Um doutor não pode sair chamando as pessoas de mentirosas, só porque tem um diploma. Ficou espumando de raiva, vermelho, pois sabia que seu diploma de catingueiro valia mais que o brilhoso anel no dedo do doutorzinho da capital sulista, e, sorrateiramente, dispensou qualquer papo futuro, com a resposta sibilina e bem postada:
- Ô xente, doutor! E carneiro nada? Carneiro não nada, homem! Nunca vi! Pra mim quem nada é peixe. Carneiro afunda, seu doutor, e morre afogado! Fica mortinho, durinho, cheinho de água. Eita coisa abestalhada. Vamos tomar um café, pois só de pensar em carneiro nadando, já fiquei com fome.
E gritou, coçando o cabo da peixeira na cinta, sem nenhum despudor:
- Maria, ô Maria, traz uma mão de café com bolacha para consertar o juízo, pois acabei de imaginar um carneiro nadando. Ô xente, isso é coisa disbraiada mesmo!
O doutor percebeu que o papo técnico chegara ao fim, meteu-se em copas, afinou, enquanto Nezinho mantinha o maior sorriso do mundo, de mofo, pois o doutor mangador saiu mangado. Nesse mister ninguém brincava com Nezinho, porque o doutor era ele - todo mundo sabia! Nas artimanhas do diabo ele era rei, sim senhor!
O certo é que mais esse comprador saiu satisfeito, comprando os bichos aprovados pelo veterinário - e indicados por Nezinho. "Suas excelências compraram mais umas excelências do rebanho" - comentou Nezinho, no final do expediente.
No dia seguinte, logo cedo, depois de bem despachados o comprador e o veterinário tagarela, Nezinho voltou à faina, encabrestando os bichos-de-exposição, arrastando-os até o açude, onde eles nadavam, de um jeito ou de outro, arrastados pela corda. Se não fosse assim, como iriam ficar com esse peitoral de dar inveja em qualquer veterinário da cidade? Depois, uma longa hora de maratona pela areia fina e fofa, especial para aumentar os músculos da perna e a "rusticidade" dos futuros campeões. Depois, um merecido banquete, pois ninguém é de ferro e os bichos precisam fazer músculos de campeão e quem faz músculos é comida. Todo mundo sabe e, então, por que perguntar?





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