Todo mundo sabia que o coronel Calógeras adorava o avião teco-teco da fazenda. Vivia fazendo piruetas sobre o povoado, para mostrar que era cabra macho, mesmo.
Um dia, o capataz percebeu que o bode famoso, xodó do coronel, o bem-amado da redondeza, com agenda lotada de cobrição, estava molengando, não queria nem assuntar as cabritas lindonas e foi dizer para o coronel que vinha pela frente um futuro sem crias, pois o bode perdera o prumo de macho. O coronel nem pestanejou: achou por bem colocar o bode nas comandas de um doutor de branco. Foi assim que Belarmino, todo enjalecado, chegou da capital, depois de uma viagem terrível, empoeirada e sacolejante.
Chegou-se ao bode, olhou, apalpou, perscrutou, analisou, mediu, conferiu e deu a sentença:
- Coronel, temos que levar o bode para a clínica, pra uma internação. Vai ficar bom, mas precisa de tratamento acompanhado o tempo todo.
O coronel tinha lá seus bons motivos para ir até a capital e aproveitou:
- Pois bem, doutor, vamos os três no avião: vosmecê, eu e o bode.
O coronel não viu, mas o veterinário se benzeu, por trás, pois tinha pavor de avião.
Não demorou muito e uma caixa improvisada de madeira ficou pronta, para caber o bode, pois solto é que ele não podia ir dentro do avião. Nem precisou tranca, pois o bode estava moleirão, só querendo dormir. O veterinário Belarmino tremia de medo só de pensar em entrar num aviãozinho mixuruco, com um doido como o coronel, mas não tinha como fazer desfeita pra homem tão importante.
Num piscar de olho, estava o avião já ganhando as alturas, quando o coronel tentou acalmar o veterinário e, ao mesmo tempo, pregar uma lição de coragem:
- Ô, seu Belarmino, vamos fazer uma aposta? Eu pago o dobro da sua consulta, se vosmecê não gritar com as cambalhotas que eu vou fazer no ar!
O pobre veterinário não teve nem tempo de responder, pois o avião já dera uma guinada para cima, encolhendo o estômago do infeliz. Arregalou os olhos e o avião já despencava, dando um nó na garganta. Belarmino só pensava: “Acho que vou despregar as tripas”.
O coronel foi se entusiasmando com a brincadeira:
- Eita homem corajoso. Não é que não grita, mesmo! Pois vamos a uma lição mais avançada.
O avião girava, girocorcovava, parafusava, retorcia, empinava, corcoveava, e nada! Belarmino, coitado! Não tinha nem um fiapo de voz para mugir. O juízo já havia ficado na última cambalhota.
O homem não gritava e o coronel percebeu que podia perder a aposta. Tratou de exibir toda sua sabença no comando do teco-teco, brincando perto das nuvens, descendo até pertinho do chão, fazendo as tripas de Belarmino descerem até o joelho, subirem até o gogó, enquanto ia mudando de cor: ficou lilás, ficou verde, ficou negro e, no fim, estava azulado, esbugalhado, arrasado.
O coronel virou para trás, viu o lamentável veterinário, caquético, troncho, fazendo gestos com as mãos, doidamente. O coronel riu. Na certa, Belarmino havia pirado e estrebuchava pelos olhos.
Não durou muito e o coronel concordou que perdeu, pela primeira vez, uma aposta em sua vida. Nunca tinha encontrado alguém tão teimoso, pois estava na cara que o pobre Belarmino queria gritar, mas a voz é que não saía. As lágrimas estavam na beirinha, mas não saíam; a boca abria mas nem sussurrava; tudo era um susto só.
O coronel deu-se por vencido, depois de tantas piruetas no céu, aterrissou na capital, agora como piloto bem comportado e traquinou com o veterinário:
- Tá bom, você ganhou a aposta, não gritou mesmo. Mas diga aí: teve umas horas bem difíceis que você queria gritar, não teve?
O infeliz balançava a cabeça, concordando, segurando o almoço que estava insistindo para voltar para a boca.
- Ah! Eu bem sabia que ninguém podia aguentar tudo aquilo. Mas, bem que você quis gritar, não é mesmo? Diga aí: qual foi o momento em que você mais quis gritar?
Belarmino tentou se ajeitar, desamassou o jaleco, desengasgou, engoliu ar, arregalou os olhos, quase arrependido, e sussurrou, num fio de voz:
- Foi... quando eu tentava avisar... que o bode tinha caído...