Um rei africano tinha um servo fiel que gostava muito da cabra mais linda do reino. Sempre leal ao rei, o apoiava com bons conselhos nos piores momentos, lembrando que Deus existe e enxerga tudo. “Não existe coisa ruim, pois Deus é bom; nós é que não sabemos enxergar direito” - dizia.
Mesmo com toda dedicação do subordinado, o rei, nervoso com o fascínio pela cabra, resolveu desprezar o animal e o servo, ao mesmo tempo, pois se sentia traído.
- Essa cabra já não é mais digna de mim que sou rei. Fique com ela para você!
O rei, na verdade, tinha outros animais maravilhosos, não cobiçados pelo servo fiel que, cabisbaixo, murmurou:
- Essa cabra é tão linda que devia ser de Deus. Foi desprezada pelo rei, mas Deus tem lá seus motivos para isso.
O fato foi esquecido e, um dia, o rei saiu para caçar. Foi atacado por um bando de leopardos desesperados. O servo tentou defender o rei, mas no furor da luta, um animal arrancou um dedo da mão real. Furioso, o rei esbravejou:
- E você diz que Deus é sempre bom? Olhe meu dedo! Eu fui atacado e o perdi!
O servo, fiel como sempre, apenas sussurrou:
- Meu rei, Deus é grande e muito bom. Ele sabe o porquê das coisas. Deus é perfeito, não erra nunca. Um dia isso vai lhe servir.
Indignado, o rei mandou prender o servo na masmorra, pela resposta desaforada.
Depois de algum tempo, o rei voltou a caçar, mas acabou sendo aprisionado por uma tribo rival sanguinária. Foi arrastado para a aldeia, onde havia um altar preparado para o sacrifício. Não querendo morrer, o rei implorou pela vida, mas o feiticeiro não quis saber e ergueu o cutelo. Quando reparou que faltava um dedo ao rei, o feiticeiro esbravejou em voz alta:
- Sacrilégio! Não posso oferecer a Deus um produto impuro. Deve ser trocado por um animal puro.
Satisfeito, o rei enviou um recado para sua terra, pedindo um lote de cabras e ovelhas para servir como troca. Os guerreiros viajaram dia e noite, trazendo consigo a preciosa carga de animais.
Entre os animais, estava o servo fiel com aquela cabra mais linda que alguém já vira. O rei, amarrado, viu o servo fiel e murmurou:
- Maluco! Os animais serão sacrificados e você ainda traz a cabra maravilhosa que lhe dei?
Começando a cerimônia de sacrifício, o feiticeiro foi selecionando cada animal:
- Esse tem a pata torta.
- Esse saiu de uma doença brava.
- Esse é meio tristonho
- Esse tem a cara troncha.
- Esse é mixuruco demais.
- Esse é despigmentado.
A tribo festejava a cada recusa, pois todos os animais refugados seriam transformados em uma festança a seguir. Eis que o feiticeiro viu a cabra maravilhosa nas mãos do servo fiel, e não se conteve, gritando em voz alta:
- E essa cabra maravilhosa? Ela é perfeita para Deus. Ela é a escolhida!
O servo fiel, corajosamente, recusou e disse:
- Essa cabra já é de Deus, não pode ser sacrificada.
O feiticeiro assustou-se diante de um inimigo tão franzino, mas tão corajoso:
- Pois diga por que não pode ser sacrificada?
- Porque ela é um desígnio de Deus. Foi doada a mim para servir de lição a um rei que sempre se recusou em enxergar as coisas boas de Deus. Muito orgulhoso, o rei achava-se quase um deus, pois era sempre lisonjeado, mesmo sem merecer. Desprezando as pessoas simples, entregou a cabra mais linda para o melhor bajulador, que era eu, como forma de desprezo. Depois, perdeu o dedo que hoje o salvou do sacrifício. Agora, ele pode ser salvo pela cabra e pelo servo fiel, ambos desprezados pelo orgulho real.
O feiticeiro pensou, pensou, pensou, chamou o chefe da tribo, e concluiu:
- Podem soltar o rei, pois já aprendeu a lição. Um grande rei precisa ser grande nas pequenas coisas e as pequenas coisas estão na simplicidade. O orgulho e a vaidade são tolices que cegam as pessoas. Esse rei não será mais arrogante e será um bom amigo de nossa tribo. Deixe que ele leve a cabra e o servo, para servirem de lição, todo dia.
Foi assim que a cabra de Deus salvou o rei.
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