Página Inicial BUSCA no site












Estaremos em recesso no perí¯¤o de 21 de Dezembro a 10 de Janeiro.
Os pedidos realizados nesse perí¯¤o ser㯠processados apã³ essa data.

Feliz Natal e um Prã³°ero Ano Novo!


Matérias



Antes de criar ovelha é preciso criar o pasto

Autor: Robin Hilson - 07/12/2012

 

“É absolutamente inacreditável este Brasil” - diz Robin Hilson, do One Stop Ram Shop, Hawke’s Bay, da Nova Zelândia.

 

Eu já viajei por muitos países e acompanhei de perto criatórios ovinos na Dinamarca, Noruega, Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Austrália, Canadá, EUA e África do Sul. Nesses meus 50 anos como produtor rural ganhei experiência e senso crítico e como resultado, na One Stop Ram, idealizada por mim, produzimos genética de ponta que há muito atinge solos estrangeiros nas Américas, África do Sul e Austrália. A genética de nosso país está se provando com bons resultados mesmo em meio a tanta diversidade mundo afora.

Sempre fui tachado como “ovinocólatra”. Apesar de ser da terra dos kiwis, como qualquer neozelandês com histórico de vida rural que se preze, eu não escondo minha paixão pela criação de ovinos. Eu sei que essa afirmação chega a ser ridícula, mas ao pousar em terras brasileiras pela primeira vez, para meu grande contentamento, vi que não estamos sozinhos, pois aqui há verdadeiros obcecados por ovinos em festas fantásticas.

 

Brasilíada - Foram 3 semanas no imenso Brasil em março de 2012 que eu, juntamente com minha guia (e ovinocólatra também), percorremos um total de 8.700 km. Minhas únicas duas palavras em português que gravei foram: “Não, obrigado.” Elas foram cruciais contra a tentação que vinha da maravilhosa diversidade de pratos da cozinha brasileira aliada à hospitalidade singular dos brasileiros. Aonde quer que eu fosse, lá estava uma mesa farta e muitos sorrisos e abraços ao meu encontro. Dos mais de 30 países que visitei, o Brasil é de longe o melhor de todos, simplesmente por causa do seu povo que deseja apenas viver em paz.

Meu propósito inicial era conhecer a indústria da ovinocultura e descrevê-la aqui. Acontece que, como um bom observador e impressionado com as coisas que vi, não posso deixar de contar o que me chamou a atenção durante minha estadia lá.

O Brasil é 30 vezes maior em extensão que a Nova Zelândia e para cada neozelandês existem 45 brasileiros. O país é lindo, diversificado e bastante estimulante. Aves coloridas, répteis e uma grande massa de vida selvagem encheram meus olhos. Como um bom zoólogo que sou tive que identificar muitas das espécies de insetos, formigas e cobras com a ajuda da minha câmera (e acabar sendo observado pelas pessoas ao meu redor). Apesar de se ouvir repetidamente sobre a destruição da floresta amazônica, é interessante notar que ninguém menciona as vastas áreas de proteção de leitos de rios e áreas de reconstituição da floresta nativa dentro das propriedades rurais as quais as tornam corredores magníficos de vida selvagem e mata crescente. Pode ser que a floresta longínqua esteja sendo assaltada, mas no resto do Brasil há um imenso vigor de respeito ao ambiente. Em toda oportunidade que tenho eu mostro minhas fotos e conto o que eu vi.

As tempestades de chuva no Brasil podem ser devastadoras. É impressionante o volume dos rios que cortam as imensas cidades e áreas aráveis. Os brasileiros, no entanto, demonstraram não saber o quão valioso esse bem é para eles, deixando esse neozelandês triste ao ver tamanha contaminação de rios majestosos, cheios de lixo e poluição.

 

Manias - A programação televisiva também é interessante. Não é preciso saber português para perceber que eles adoram suas novelas, mas me surpreendi com a presença de canais exclusivos para mensagens religiosas, aos montes.

O grafite brasileiro também impressiona, justamente por ser controverso: ora transformando ruas cinzas em lugares cheios de cor, ora piorando ainda mais a frieza dos aglomerados urbanos.

A comida brasileira, ah! a comida brasileira! Seja ela vinda de um posto de gasolina na estrada, de um restaurante no centro da cidade ou mesmo caseira, a comida brasileira é maravilhosa. Uma quantidade incrível de gostos diferentes, de variedades de dar água-na-boca e serem uma grande ameaça às medidas de cintura dos visitantes estrangeiros. A carne preparada em churrasqueiras a carvão foi uma das melhores que já provei no mundo.

- Não, obrigado! Chega de comida! - é o que eu mais dizia.

E o café. Amargo e forte! - foi o melhor que já provei, embora os brasileiros digam que o melhor, na verdade, foi exportado. O que sei é que está sendo difícil voltar a acostumar com o nosso café da Nova Zelândia.

Em lugar algum desse mundo eu conheci motoristas melhores do que os brasileiros, sejam eles caminhoneiros ou de carro de passeio. A cidade de São Paulo tem a maior frota de carros do Brasil e, desta forma, é fácil imaginar a concentração de automóveis nas ruas e avenidas gigantescas. Com uma destreza inigualável, como pássaros, os carros davam sinal e cortavam as pistas da esquerda para a direita e vice-versa, indo e voltando, fazendo com que aquela massa quase estática de autos pudesse enfim se mover. As motocicletas me surpreenderam também. Inúmeras e barulhentas. Perguntava-me se haveria alto índice de mortes de motociclistas uma vez que a vida deles dependia única e exclusivamente da habilidade e das ações dos outros motoristas. Imaginem casais sobre uma pequena motocicleta dirigindo ligeiros entre caminhões de 30 metros de comprimento, carros e ônibus? Acho que muita gente deve morrer, mas não fiquei sabendo.

Por falar em estradas, eu nunca me esquecerei delas. As estradas brasileiras têm buracos que intimidam e eles estão justamente em todo lugar por onde você precisa passar. Ao atravessar o Estado de São Paulo em direção a Minas Gerais e em seguida ao Mato Grosso do Sul você depara com duas realidades bem distintas: as infinitas e caras praças de pedágio e a do completo esquecimento com estradas consideradas estaduais e completamente tomadas pela lama.

Foi com muito prazer que tive a chance de voltar ao ambiente acadêmico, quando conheci duas universidades importantes nas cidades de Piracicaba e Botucatu, ainda no Estado de São Paulo. O entusiasmo dos professores e o amor deles a seus alunos é algo imensurável e que não muda, não importando o país. Os estudantes ainda possuem afiadas mentes questionadoras e olhos bem abertos como geração futura. Os prédios históricos, remanescentes da época colonial do Brasil quando as plantações de café reinavam, adicionam valor descomunal às universidades que visitei.

Pudemos conversar com plateias de alunos e falar um pouco sobre o trabalho de melhoramento genético que é desenvolvido na Nova Zelândia. Foi uma experiência realmente muito boa. Ainda em visita às universidades e ao corpo técnico pude perceber o quanto pode ser feito em termos de pesquisa no Brasil. Minha mente era um fervilhão de pensamentos e ideias a cada momento que nos reuníamos com professores e alunos.

 

Ovinos - E eis algo interessante: muito me surpreendi com o fato de que a universidade de Botucatu, estando em posição estratégica no Estado de São Paulo, preocupa-se com a produção de leite ovino quando o futuro para a ovinocultura no Brasil será sempre a produção de carne!

Agora vamos falar, finalmente, sobre a indústria ovina no Brasil.

Depois de ter visitado muitas propriedades, ter conversado com representantes de frigoríficos, acadêmicos, produtores de ovinos, consultores técnicos e entusiastas da ovinocultura, muitos questionamentos ainda me tiravam as poucas horas de sono que tínhamos durante aquelas 3 semanas viajando por quatro Estados diferentes do Brasil.

A pergunta básica é: “se a carne ovina está em clara falta no mercado brasileiro, por que não há uma indústria próspera”?

Tomem como exemplo algumas das afirmações que anotei:

- Nós precisamos de mais carne de cordeiro.

- Nós não conseguimos comprar o suficiente, ainda que nossa necessidade seja imediata”. São frases de um gerente de uma rede de hipermercados da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

- Os consumidores pagariam mais por uma carne de cordeiro de qualidade se houvesse disponibilidade” – disse um proprietário de uma loja de carnes de Botucatu, São Paulo.

Com 15 milhões de cabeças de ovinos não é surpresa alguma que 90% da carne ovina inspecionada no Brasil seja oriunda do Uruguai, não havendo outra fonte sustentável. Acontece que todos sabem que apenas 1 milhão de toneladas de carne ovina seja comercializada internacionalmente por ano. O mundo está em falta de carne ovina  e assim o estará talvez para sempre.

 

 

 

Alguns rebanhos aventuram-se na produção de carne e de lã.

 

 

Sem bússola - Na verdade, a indústria ovina brasileira demonstra não ter foco. Com uma população de quase 200 milhões de habitantes, o marketing da carne ovina deveria ser bem lucrativo e para a opinião desse produtor não há necessidade de substituir o produto uruguaio. Basta apenas valorizar o produto brasileiro com qualidade e melhor apresentação, proporcionando cortes frescos ou resfriados e preços atrativos ao consumidor final. Ações que nós, neozelandeses, aprendemos ao longo de todos esses anos. Afinal, sempre será o consumidor do seu cordeiro que ditará as regras de produção.

A demanda se faz inversamente proporcional ao suprimento no Brasil. Em praticamente todos os estabelecimentos de comércio de carne que visitei foram unânimes as reclamações sobre a inconsistência da oferta.

Ficou claro para mim que os produtores brasileiros não entendem ainda que somente melhor genética produzirá melhor produto que, por sua vez, consolidará a especificação exigida pelo mercado. Torna-se inútil, desta forma, qualquer promoção de carne, enquanto a oferta continuar irregular.

O conceito de melhoramento genético para os produtores de ovinos brasileiros foi me apresentado quando visitei a grandiosa Feira Internacional de Caprinos e Ovinos na cidade de São Paulo (Feinco). Imaginem um shopping de ovinos, um lugar que você passa o dia todo lá dentro, perdendo a noção do tempo em meio a animais sendo escovados, lavados, pintados e levados apenas para serem julgados. Como se fossem modelos de passarela. Alguns serão leiloados como pinturas de Monet.

Produtores neozelandeses, o que lhes lembra isso? Sim, parecia que eu tinha voltado 40 anos no tempo, pois já tivemos algum tempo assim, em nossa pré-história no manejo do mercado de ovinos.

Das inúmeras conversas que tive por horas com os entusiastas da ovinocultura a mais difícil foi explicar que o reprodutor na Nova Zelândia não precisa ser bonito, ele tem que provar resultados. Parece que ninguém entendia que - uma vez que o cordeiro vai terminar no frigorífico - ele passa a ser uma carcaça e é essa carcaça que traz o verdadeiro lucro da sua produção e não o comprimento da orelha, ou outras características de beleza.

O reprodutor não tem que ter vida fácil, ele tem que ser capaz de cobrir 100 matrizes, naturalmente, para ser considerado bom, inicialmente. O mais importante é a progênie que ele tem que deixar. Uma progênie que tem que crescer para atingir metas melhores do que o pai.

Um famoso fazendeiro questionou sobre o que eu achava do “fabuloso” carneiro da fazenda dele e eu fui obrigado a responder que não poderia comprar reprodutor algum dele, enquanto não me fosse informado o desempenho zootécnico daquele animal em termos de fertilidade, sobrevivência e taxa de crescimento, entre outras coisas. Contrariado com o desenrolar da conversa, ele afirmou:

- Ninguém vem à minha propriedade comprar carneiros e me pergunta sobre o desempenho zootécnico deles, mas sim quantas rosetas eles possuem.

Por isso tudo, acho que há muito o que se discutir sobre melhoramento genético no Brasil.

 

Manejo - Em visita às propriedades eu pude aprender muito sobre diferentes regimes de alimentação que os produtores brasileiros proporcionam aos animais. Raças terminais como Texel, Hampshire Down, Ile-de-France, Poll Dorset e Dorper despontam na preferência dos criadores e são encontradas em várias partes do país por onde passamos.

Há também uma raça nativa deslanada típica de regiões secas e com escassez de alimento, que eles chamam de Santa Inês, utilizada como linha materna e que me lembrou muito as que encontrei no Oriente Médio e em algumas regiões da China. Era um animal rústico, mas ainda sem aptidão para carne.

Diversos tipos de solo e pastagem fazem do Brasil um potencial produtor de ovinos muito parecido com os nossos vizinhos australianos. Fiquei admirado, no entanto, ao comparar o tamanho cuidado em acertar formulações de ração minuciosamente calculada e estrategicamente fornecida enquanto esquecia-se a importância do melhoramento genético como fator limitante à produção. Para piorar, também desconheciam os cuidados elementares de manejo e sanidade.

À medida que chegávamos ao Sul, muito me recordava os criatórios da Nova Zelândia. Manejo extensivo, rústico, de muitas cabeças. Sempre presente, porém, a quase nula informação de desempenho zootécnico dos animais.

 

Integração - O fato é que muito do que desenvolvemos aqui na Nova Zelândia pode ser adaptado às condições brasileiras.

A simples troca de ideias e conceitos sobre sanidade animal, manejo e melhoramento genético seriam o suficiente para um bom começo. Há ainda grande disparidade entre o produtor, técnicos, consumidor e frigorífico quando deveria haver coerência.

 

O material genético adquirido por importação sofre um tipo de proteção monopolizada e superostentação, somente por ter sido importado, mesmo sem possuir dados comprovados de desempenho zootécnico.

Ficou evidente que a maioria dos ovinocultores brasileiros desconhece, infelizmente, o potencial que o país deles possui: a terra é farta, o grão é farto, o mercado é farto e é por este motivo que a carne uruguaia ainda compete nas prateleiras.

Interessante: questionaram-me várias vezes sobre o nosso segredo. Isso mesmo, nós temos um segredo e para isso convidei todos os meus anfitriões a virem nos visitar e descobrirem o tal segredo. Na ânsia por uma resposta eu apenas afirmei:

- Nós não criamos ovelhas, criamos pasto. A ovelha é apenas o produto dentro das nossas limitações.  Na discussão que se seguiu, perdi mais uma noite de sono!

Uma coisa é certa: não há como não se entusiasmar com a alegria e a determinação do ovinocultor brasileiro. Também não acredito que o potencial produtivo do Brasil seja uma ameaça ao nosso mercado.

Acredito sim, que podemos guiar os fazendeiros brasileiros por meio dos nossos exemplos para que possam se tornar mais eficientes e, desta forma, ajudá-los na tarefa sagrada de alimentar o mundo.

O Brasil, enfim, é absolutamente inacreditável. Mal posso esperar pela minha volta ao país.

 

Duas conclusões pitorescas - O neozelandês anotou duas máximas:

- Eu talvez trocasse a criação de ovelhas para ser proprietário de, pelo menos, um dos pedágios das rodovias de São Paulo.

- Com certeza: o Uruguai jamais poderia competir com o Brasil se algumas poucas áreas de plantações de cana-de-açúcar em São Paulo fossem convertidas à ovinocultura. Trocar o combustível volátil pela carne que enche estômagos: só isso.






Link para esta p᧩na: http://www.revistaberro.com.br/?pages=materias/ler&id=2006


Desenvolvido por Spring
rea do usuᲩo

 
Cadastre-se para acessar as mat鲩as restritas, clique aqui.

Esqueci minha senha!