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O todo poderoso leite de cabra

- 09/06/2012

Seu Jerônimo mantinha seu sítio com algumas boas cabras leiteiras. Todos os dias havia uma fila de pessoas em sua porta, quase implorando a venda do precioso líquido. Ele, para evitar futuras complicações com a polícia, médicos e fiscais, já ia logo dizendo:

- Leite de cabra não é remédio, nem faz milagres. Cabra não é santa.

Depois, continuava dizendo, bem baixinho.

- Mas pode servir para muita coisa!

O certo é que de meia dúzia de cabras já tinha mais de trinta e não conseguia atender a multidão que ele não convidava, mas que estava só aumentando a cada dia. Já era quase um benfeitor na cidade e ainda ganhava um bom ­dinheiro.

Um dia chegou um velho alto, de barba bem aparada, roupas bonitas de gente jovem, sapato lustroso, pele enrugada e queimada, gasta pelo tempo, músculos evidentes, sobrancelhas enormes, enxerido, que tudo queria saber. Era um velho querendo ser moço. Jerônimo pensou que podia ser alguém querendo aprender os macetes para começar a criar cabras e, então, despistava os assuntos. Só respondia sobre o leite.

- O leite é mais branco, sim senhor. É mais doce, dependendo do capim e da ração. A gente pode ajudar a cabra a produzir leite mais gordo ou mais magro, sim senhor. O leite não faz mal algum para ninguém. Não dá diarreia, não! É bom para a gurizada, a garotada, a rapaziada, a mulherada. Vendo bastante, até para o padre. Não é remédio, não, mas é bom!

Pergunta vai, pergunta vem, o homem resolveu abrir o jogo, procurando palavras certas:

- Sabe, Seu Jerônimo, me disseram que o leite de cabra tem um poder diferenciado, que pode fazer a idade avançada voltar atrás. Não sei se o senhor está entendendo!

- Está bom, homem, todo mundo pensa que o leite de cabra é afrodisíaco, sim senhor. Por isso era o leite escolhido pela rainha Cleópatra que queria conquistar um general. Quem bebe leite de cabra, todo dia, pode ficar descansado, pois irá fisgar qualquer peixão, sim senhor.

Era justamente o que o curioso queria saber. E levou a conversa adiante:

- Pois é, Seu Jerônimo, eu acabei de ganhar o maior prêmio na minha vida, uma cabritinha de fazer gosto, nem chegou aos vinte aninhos, e muita gente está dizendo que estou meio gasto, que não vou dar conta do recado. Então, já comprei um mundo de vitaminas e comprimidos, mas disseram que o melhor, mesmo, é o leite de cabra, como garantia de macheza na hora do bem-bom.

Seu Jerônimo aproveitou o momento e desfilou um monte de casos de gente que comprava o leite para dar conta do recado naquelas horas: o vereador Toninho, o ex-prefeito do povoado Trindade, um pastor da igreja triangular, o delegado, e mais gente. Dizia que ninguém reclamou até hoje.

- Então é mesmo um milagre! - exclamou o vetusto barbichudo.

- Bom, não é milagre, mas que é um fortificante porreta, isso é!

- Pois estou convencido e pretendo começar já. O que o senhor acha que pode acontecer comigo?

Seu Jerônimo fez um muxoxo, pensou, pensou, e respondeu:

- Bom, se beber leite de cabra por uma semana, acho que um homem de sua categoria vai ficar como um bode de...

Deu uma parada, pensou de novo, fez um cálculo, e concluiu:

- ... quinze anos! Isso mesmo, um bode de quinze anos.

O homem abriu um enorme sorriso: quinze anos? Só quinze anos? Seria um jovenzinho. Mesmo que fosse trinta, já estaria muito bom. Abriu a carteira, pagou o preço dos primeiros dois litros e disse que viria buscar mais, todo dia logo cedinho.

- Vou fazer coalhada, fazer queijo, e beber seis vezes por dia. Dois litros todo dia.

Abriu o portão e foi embora, cheio de alegria no semblante, ao encontro do seu novo amor. Seu Jerônimo havia feito o bem - claro! - mas sua neta, espertíssima, entendeu que havia mutreta e resolveu perguntar:

- Vô, me conta uma coisa: o que é um bode de quinze anos?

O velho sitiante, vivaldino, coçou a cabeça, pensou bem e explicou:

- Bom! Um bode vira linguiça, no máximo, com sete anos. Então, de cabrito a bode, o animal já passou pela idade do ensopado, do assado, do churrasco, da linguiça, da sola de sapato e só serve para fábrica de sabão, mesmo!

A netinha, sabida, encerrou o papo:

- Uai, meu vô, então aquele homem era igual um bode de quatorze anos! E ainda está acreditando no todo poderoso leite de cabra!!!






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