O patrão e a patroa eram o típico casal de fazendeiros moderninhos, vaidosos, sempre de bota alta, elegantérrimos e visitavam a propriedade todo final de semana. Quem fazia tudo e conhecia cada animal era um casal de empregados, sem filhos, Quinca e Estela.
O rebanho estava sempre lavado, vacinado, em ordem, mas a patroa queria mais: queria ser campeã da exposição e, então, um dia, chegou à fazenda e foi logo dizendo para Quinca e Estela.
- Olha bem estes sacos de ração. Está tudo estudado e calculado. Cada animal vai comer 250 gramas, todo dia. É assim que vamos ganhar a exposição.
Já ia saindo, quando se lembrou do resto:
- Presta atenção: ração é cara. Expulse galinhas e as ovelhas que não são da exposição. Ração é para exposição, só para o lote de cinco bichos. Tá claro?
Quinca coçou a cabeça, e bem baixinho, foi falando:
- Tá claro, sim, mas tem o buraco na cerca. Já pedimos tábua, pregos, e vocês nunca trazem. Como vamos segurar o rebanho inteiro que vai querer comer a ração? É preciso tapar o buraco, antes.
- Uai! Você dá um jeito, Quinca. Você fica aqui, o dia inteiro. Dá um jeito no buraco.
Não tinha mais papo e chegou a hora do almoço, quando chegou o sobrinho de Quinca e Estela, garotinho de 6 anos, coroinha da paróquia, menino de cidade, com botinha vermelha e roupa vistosa. O menino, Tonico, tinha vocação para padre - e pior! - para santo! Rezava por qualquer motivo, era cheio de boas maneiras. Seu lugar era no céu!
Quinca, cheio de tarefas, sabia que cabeça vazia era oficina do diabo e, então, resolveu colocar o garoto para trabalhar.
- Tonico, você vai ficar de olho naquele buraco da cerca. Se as ovelhas entrarem pelo buraco, elas vão roubar a ração dos animais de exposição e isso não pode acontecer de jeito nenhum.
- Ah! Entendi. Roubar é muito feio, até para uma ovelha, não é, tio?
- É isso mesmo. Basta ficar de olho. Não deixe nenhuma roubar.
A semana foi uma trabalheira danada! Houve até jogo de futebol cancelado, por conta de cuidar bem das coisas da fazenda. No final da semana, chegam os patrões, chiquérrimos como sempre, querendo notícia dos pesos dos animais de exposição.
- Pois é, eu botei a ração, do jeito que a senhora mandou, e vou pesando os animais todo dia, mas não estou vendo nenhum deles ganhando peso. Acho que a ração pode ser famosa, mas não enche bucho...
- Nada disso! - retrucou a patroa. A ração é muito boa, tinha que funcionar como em todo lugar.
- Eu reparo todo dia. O cocho fica limpo, os animais comem tudo. Até o sobrinho cuida do buraco para as ovelhas não roubarem.
- Sobrinho? Que sobrinho?
Foi assim que Tonico entrou na história e largou o café às pressas para ir responder as perguntas da patroa.
- Menino Tonico, você tem certeza de que nenhum animal entrou para roubar comida?
- Tenho, sim senhora. Nenhum entrou.
Meio desconfiada, a patroa indagou Quinca:
- ... e esse menino por acaso não mente, de vez em quando?
Quinca ficou até assustado, e respondeu atropeladamente:
- Credo em cruz, patroa. Esse menino é coroinha de missa. Pra ele, é Deus no céu e o anjo na terra. Já é quase santo. Passa a semana inteira esperando o dia da missa.
Satisfeita com a resposta, a patroa voltou-se para Tonico:
- Menino, você garante mesmo que nenhum animal está roubando comida?
- Garanto.
- E por que você garante?
- Uai, porque roubar é pecado, não é?
A patroa deu um pulo. Agora a religião entrava no circuito para explicar o roubo da comida das ovelhas. Mas levou a conversa adiante:
- É isso mesmo: roubar é coisa feia, coisa do diabo. É pecado dos grandes.
- Pois é, então eu não deixo as ovelhas roubarem, para não cometerem pecado.
- E como você faz?
O menino estava sério, meio pensativo, consciente de que estava ajudando o tio, fazendo tudo muito corretamente:
- Uai, eu encho o cocho, como o tio mandou. Depois, vejo que as ovelhas ficam lá no buraco, com olho de fome, doidas para cometer pecado.
- E que mais? As ovelhas entraram, alguma vez?
- Não, não deixo entrar, de nenhum jeito. Foi o que o tio disse. Então, eu não deixo entrar e nem cometer pecado.
Sem ser perguntado, o garoto explicou, com gosto de vitória:
- Eu vou pegando uns punhados do cocho enquanto está cheio e vou dando para as ovelhas. Assim elas não cometem pecado de roubar.
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