O monge visitara o povoado e voltava com um cordeiro nas costas, pelo caminho pedregoso. Era um animal escolhido com rigor para o sacrifício e, como tal, sagrado. Era assim que raciocinava o monge, mas três espertallhões das redondezas viram no cordeiro apenas um bom almoço gratuito. Estudaram um plano e ocuparam três lugares na estrada que ia subindo, subindo, ficando cada vez mais íngreme e difícil.
Quando o monge passava, o primeiro espertalhão indagou:
- Bom dia, monge! Como foi que o seu cachorrinho se machucou?
O monge, ainda preso na satisfação do bom negócio que havia feito, respondeu:
- Qual cachorro?
- Ora, esse que está em suas costas.
- Isso não é um cão, mas um cordeiro para o sacrifício.
- Que nada! Está na cara que é um cachorro. Acho que o monge entende de rezas, mas não de carneiros e cachorros.
- Isso é um cordeiro, já disse!
- Ora, deixe de ser orgulhoso e presunçoso, seu monge. Seu papel é manter a felicidade do mundo, por meio de orações. Cabe aos humanos mortais cuidar dos animais.
O monge não ligou, sacudiu os ombros e seguiu adiante. Logo mais, um pouco cansado pela estrada que somente subia e subia, encontrou o segundo gatuno que foi logo interpelando:
- Nossa, monge, que cachorrinho mais bonito. Se quiser, podemos fazer negócio, pois esse animal poderá ter um grande futuro como pai de muitas ninhadas.
O monge ficou intrigado. Disse que era um cordeiro, mas não convenceu o pilantra. Então, colocou o animal no chão, examinou, analisou a lã, cutucou para ver o animal fizesse mééé-mééé, ao invés de au-au-au, mas nada aconteceu. O larápio insistiu:
- Quando chegar ao convento, esse esperto animal irá correr atrás de gatos e, então, seus olhos se abrirão para a verdade da vida. Nem tudo é o que nós pensamos, pois a verdade está sempre muito bem escondida. Acho que o ilustrado monge comprou um gato por lebre, só isso.
O monge, já meio aborrecido, colocou o animal nos ombros e prosseguiu a jornada, com o espírito meio vacilante, pois – de fato – o mundo é cheio de armadilhas.
Perto da curva rochosa, surge o terceiro impostor, apostando no cansaço do monge:
- Nossa, bom monge, que lindo cãozinho você está carregando nessa montanha tão difícil. Por que não o solta para ele ir caminhando atrás, como todo bom cachorro?
O monge triscou os dentes, pois tantas coincidências já eram demais e respondeu meio raivoso:
- Isso não é um cachorro; não é mesmo! Isso é um cordeiro.
- Tá bom, tá bom, não precisa se aborrecer. Aquilo também não é uma montanha; isso aqui não é uma estrada cheia de pedras e buracos; o que escorre em seu rosto não é suor e, com certeza, os outros monges também vão acreditar que isso aí é outro bicho e não um cachorrinho.
Novamente, o monge, já meio cansado, colocou o animal no chão, olhou, olhou, apalpou, tinha certeza que era um cordeiro, mas o ladrão esperto arrematou:
- Ora, monge, antes de chegar ao convento, tire as dúvidas com mais gente. Lembre-se que a deusa Maya prega a ilusão o tempo todo para testar nossos sentidos. A gente pensa que está no certo e está no errado. Afinal, uma pessoa pode errar; duas já é difícil e três é quase impossível. Pergunte para três pessoas e todas dirão que isso aí é um belo cachorrinho. O monge ficou cismado, pois já havia encontrado três pessoas e todas haviam dito que estava levando um cão e não um cordeiro.
O monge, já estafado pela árdua subida, escutou a tacada final:
- É tão bom saber que os monges estudam os textos sagrados, deixando para nós, mortais comuns, a tarefa de lidar com ovelhas, cabras, vacas e tudo o mais. Cada coisa em seu lugar: a santidade no convento e o mundo das coisas de pequeno valor aqui do lado de fora.
O monge compreendeu, então, que tudo fora uma ilusão e que ele deveria se fixar apenas no mundo das coisas santas, deixando as coisas profanas para as pessoas comuns. Colocou as mãos sobre o cordeiro, fez uma oração, agradecendo o tempo que passaram juntos pela vida e, depois, voltou alegremente para o convento.
Os três ladrões pegaram o cordeiro que, no dia seguinte, serviu para um saboroso almoço.
Moral: uma mentira, se repetida muitas vezes, com convicção, pode ser transformada em verdade, pelos espertalhões, enganando as pessoas simples.
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