O empresário era famoso pelos cavalos e carneiros campeões em várias exposições. Tinha até uma sala para empilhar os troféus que não se cansava de mostrar aos amigos. Entre todos os troféus, o destaque ficava para o carneirão famoso, de 152 kg. Todo final de semana ele gastava um bom tempo vendo o carneiro famoso desfilar em sua frente, pomposo, enquanto os dedos alisavam o gelo no copo de uísque importado. Para fazer o homem feliz, bastava elogiar as virtudes do santo carneiro.
Um dia, Serafim, de 12 anos, morador do povoado vizinho, voltou a pé para casa, trazendo pela corda o famoso carneiro. Para ele era apenas um carneiro a mais. Foram os vizinhos que reconheceram o campeão e logo deram o alarme:
- Deve ter roubado o carneirão!
Os pais de Serafim logo entenderam a zoada e puxaram o menino pra dentro:
- Diga logo! Onde você conseguiu esse carneiro?
O menino, meio assustado, estatelava os olhos:
- Ôxa, acabei de comprar.
- Como? Acabou de comprar? Com que dinheiro, menino?
- Com o dinheiro que era para comprar o toucinho.
A mãe franziu a sobrancelha, diante da mentira.
- O dinheiro era apenas 15 reais, com direito a troco. Nem era para gastar tudo e você ainda aparece com um carneiro inteiro!
O menino não conseguia entender porque tamanha fúria desaguando em seu costado:
- A gente sabe muito bem quanto vale esse carneirão. É claro que você aprontou alguma coisa para trazer esse bicho até aqui.
O garoto tentava se livrar:
- Uau! A mulher, dona da casa, perguntou se eu queria comprar o carneiro e eu disse que sim. Afinal, o pai vive dizendo que precisa de um carneiro novo.
- E o preço, menino? Esse carneiro vale uma fortuna!
- Bom, e eu lá sei disso. É um carneiro, um carneirão. Eu disse que tinha 15 reais no bolso. A mulher aceitou e vendeu o bicho dizendo que era um presente melhor que o toucinho que eu deveria ter comprado. Ela disse que eu estava gastando o dinheiro muito bem comprando o animal, ao invés de comprar o toucinho. Foi ela quem disse!
A família e os vizinhos perceberam que havia uma maldade por trás disso tudo. Talvez a mulher fosse uma exploradora de menores ingênuos. Nunca havia acontecido algo assim e era melhor tirar satisfação, antes que as coisas piorassem. De repente, a mulher estaria oferecendo mais carneiros, vacas, cabritos, para os garotinhos do povoado.
A família resolveu, então, visitar a mulher, levando junto o padre, como testemunha e conselheiro, para o que desse e viesse. Junto com a comitiva ia o carneiro, pronto para ser devolvido.
Chegando à casa-grande, encontraram a mulher, calmamente, cuidando do jardim, recolhendo as poucas folhas que os empregados haviam esquecido de pegar. Tinha nas mãos um buquê de flores para a sala. Não parecia ser uma exploradora de menores, de jeito nenhum. Estava mais para santa do que para bandida. A mãe de Serafim abriu a conversa:
- Minha senhora, meu menino disse que a senhora vendeu um carneiro para ele...
- Foi mesmo! Um bonito animal, não é? E foi barato, não foi? Por apenas 15 reais, que era toda fortuna que ele tinha no bolso.
- Mas todo mundo sabe que o carneiro é campeão, que vale muito mais. Por que a senhora abusou do garoto, forçando a gente a trazer o carneiro de volta, para devolver?
O padre avançou o sinal e comentou:
- Senhora, isso é uma humilhação para a família, diante da vizinhança inteira. Agora, está aqui devolvendo o carneiro, explicando que o filho não é ladrão, nem aproveitador.
A doce senhora franziu o nariz, deu um sorriso maroto, e explicou:
- Minha gente, não tem nada disso, não! O menino comprou o carneiro. Ponto final. É dele, sim.
- Mas todo mundo sabe que o animal é o xodó de seu marido.
A mulher ensaiou uma fúria repentina, retrucando:
- Marido uma ova! Aquele pilantra. Ele disse que estava viajando a serviço, mas fiquei sabendo que havia fugido com a secretária e não pretende voltar tão cedo. Descaradamente, telefonou, hoje cedo, dizendo que eu devia vender alguma coisa para ele poder fechar um negócio importante. Então eu sugeri vender o carneiro campeão. Ele aceitou, afirmando que precisava de um bom dinheiro.
- Aceitou? - clamou a multidão reunida.
- Sim e isso me deixou mais brava ainda, pois eu sei que ele adorava o carneiro mais que tudo no mundo.
- E o preço?
- Bom, eu fiz o que ele mandou. Ele disse para vender para o primeiro que tivesse uma fortuna no bolso e estivesse disposto a pagar. Eu convenci o garoto a não comprar o toucinho e gastar toda fortuna que tinha no bolso com o carneiro. O menino ficou em dúvida, mas eu disse que a família iria aprovar. Então, pensando em agradar o pai, ele aceitou. Foi tudo honesto.
Calmamente, num murmúrio, com um sorriso de satisfação, a mulher completou:
- Então, eu vendi e já despachei o dinheiro para meu marido. Que faça bom proveito da fortuna do carneiro campeão.
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