Betim de Zefa era muito metido, mesmo; todo mundo sabia. Estava sempre contando vantagens que, a rigor, não existiam. Era só um falador muito convencido de sua oratória. Ganhava no grito as pendengas nos dias de feira. Todo mundo já sabia: era melhor desistir do que ficar discutindo com Betim.
Um dia, havia muita gente de fora na feira. Era um prato cheio para Betim desfilar sua enorme sabedoria sertaneja. Foi se achegando, se enturmando ao assunto e, quando surgiu uma oportunidade, partiu para o ataque:
- Quá! Vocês, velhos, são realmente incapazes de entender nossa geração. Nem poderia ser diferente.
Ninguém entendeu a metideza de Betim, mas ele continuou sua falação:
- Qual é? Alguém não entendeu? Estou dizendo que os velhos não conseguem entender nossa geração, porque nós estamos muito longe na sabedoria das coisas.
- E por que, heim, seu Betim? - perguntou, fininho, Josesmindo de Tonha.
- Ora, é fácil de entender. É só reparar bem nas coisas que existem. Os velhos já eram, já passaram. Os imperadores nunca chuparam um picolé, nem tinham galinha pra comer. Os grandes sábios jamais imaginaram um telefone. Tudo ficou para trás. Já nós, os jovens, crescemos com a Internet, com Celular, com Televisão, aviões a jato, viagens espaciais, homens caminhando na Lua, gente viajando para Marte. Nós temos energia nuclear, bomba atômica, automóveis nas ruas, geladeiras, computadores mais rápidos que a cabeça da gente. Velhos nem sabem receber dinheiro num cartão de crédito! Nós estamos por dentro. Por isso não existe papo entre velhos e jovens. Nem pode haver, mesmo.
Reinou um silêncio enorme, quando Joca das Marrãs tirou o chapéu: isso não era bom sinal, era indicativo de briga feia. Coçou a barriga. Todo mundo olhou para ele, arregalou os olhos, já estavam enxergando Joca socando, esmurrando, esbofeteando, atropelando, massacrando o besta do Betim falador.
- O senhor quer falar alguma coisa, seu Joca? - perguntou Betim, adivinhando que era melhor partir, como sempre, para a conversa macia, do que para a briga, levando em conta sua franzinice.
Seu Joca ficou encarando de tresloio o jovem maricão, enquanto coçava a crista da ovelha que bem estava gostando do dengo. Ergueu um dedo, coçou um olho, coçou o queijo, fechou um olho, esbugalhou o outro e partiu para a resposta, em nome da turba silenciosa.
- Olha aqui, seu mundiça de gente, que nem tirou os cueiros e já vai gabolando em busca de uma peixeira na barriga.
- Mas, seu Joca, o senhor não concorda que nossa geração é muito melhor, muito mais inteligente que a dos velhos? Isso não é mesmo natural?
- Que nada, coisa ruim! Deixe de besteira aprendida nessas internetes da vida. Nós somos velhos, sim senhor, mas velhos com orgulho, criamos nossas ovelhas e cabras, aprendemos com a natureza e com os animais. Nós botamos filhos na escola, sem ter em casa essas bugigangas como avião, telefone, luz, computador, e outras gerigonças, mas - enquanto a gente cuidava dos animais - a gente ia inventando tudo: avião, telefone, luz, computador, e outras coisas, para entregar para a nova geração. Nada caiu do céu, foi nossa geração que inventou tudo, para deixar para gente besta como você. E ainda temos os animais aqui do lado.
Arrotou, engasgado, pedindo um gole, e terminou:
- E você, abestalhado, com sua geração, o que está deixando para a próxima geração, já que tudo que você falou, foi meu povo velho que fez? Tem, pelo menos, uma ovelha pra deixar? Um bode? Uma galinha? Ou vai deixar só esse gogó irresponsável e de pouca respeitança?
A feira ribombou num aplauso geral, numa risadaria jamais vista e todos trataram de encher os copos para comemorar mais esse dia bem vivido.
Link para esta p᧩na: http://www.revistaberro.com.br/?pages=materias/ler&id=1352