Jeremias era mesmo um preguiçoso; nunca quis trabalhar duro e, por isso, não tinha lugar certo nas fazendas do sertão. Todo mundo já sabia que ele era manhoso, sempre se encostando. Esperou a época de eleições, quando começava a distribuição de dentaduras, camisetas, vales, presentes, mimos, para ganhar votos. O melhor presente, sempre, era a aposentadoria. Jeremias era doido para ser aposentado: aí nunca mais iria trabalhar e ainda teria dinheiro certo todo final de mês.
Nenhum cabo eleitoral, porém, quis incluir o nome de Jeremias na lista dos doentes, necessitados, aleijados, etc. Só tinha um jeito: passar por doido, pois no sertão todo maluco tinha aposentadoria garantida em época de eleições. Era uma maneira de aliviar a família inteira: muitos votos de uma só tacada.
Para isso, Jeremias arrumou um casebre pau-a-pique e passou a viver, sozinho, como um futuro doido.
No dia da vistoria, Jeremias entrou na fila do médico e logo foi chamado, pois doido tinha preferência, para não bagunçar a ordem no recinto.
Diante do médico, sempre de boca meio aberta, olhos perdidos no teto, nas paredes, com trejeitos no beiço, sacolejos no pescoço, tapas no ombro, foi respondendo a um amontoado de perguntas, só dizendo “sim” ou “não”, fazendo careta. E sempre repetia que estava muito bem.
- Eu? Eu estou muito bom, seu doutor. Muito bom, mesmo.
O médico viu que estava perdendo tempo e que Jeremias podia ser meio-doido, mas não doido inteiro e, então, resolveu avançar:
- E você é casado, Jeremias?
- Ih! seu doutor, me casei outro dia com a Berta, que está ali fora.
- Ah, é? E como é o relacionamento do feliz casal?
- Ih! Muito bom. Ela gosta de carinho. É só alisar e minha cabritinha se desmancha inteira. Fica arrepiada, balança os brincos, chacoalha o rabo, e vem se esfregar.
Sem dúvida, era um comportamento estranho para uma noiva, mas o médico via tanta coisa estranha na televisão que deixou passar. Depois de anotar tudo, viu que Jeremias era absolutamente normal. Já ia decretar a não-aposentadoria, quando ouviu:
- O único problema é que Berta é tão branquinha e eu gosto de mulatinha. E também tem uns chifrinhos que às vezes machucam a gente.
O médico assustou-se, pois doido não devia perceber tantos detalhes, e resolveu checar a informação. Chamou a assistente e deu a ordem:
- Por favor, mande entrar a esposa do Sr. Jeremias.
- Não dá, não senhor. Ela está lá fora, no jardim, comendo grama.
- Como? Favor respeitar o médico, seu patrão, e a esposa do cliente. Vá buscar a esposa do Jeremias.
A secretária, envergonhada pela bronca, foi embora e logo ouviu-se uma zoada na sala de recepção. A secretária esbravejava, pessoas tentavam ajudar, a tal esposa não queria saber do médico, não!
Finalmente, cansada, a secretária abre a porta, e empurra a esposa-noiva para dentro da sala:
- Ufa! ela não queria vir, tive que arrastar.
O médico abriu a boca: ali estava uma linda cabra, com véu de noiva. Jeremias correu para a cabra, abraçou, beijou, e tudo virou amor no recinto.
A cabra estampou um sorriso e tudo ficou muito bom, juntando Romeu e Julieta.
Jeremias, num último gesto, perguntou:
- E aí, doutor, gostou do meu chameguinho, minha noivinha?
O médico franziu a testa, pegou a caneta e assinou o Atestado de que Jeremias já tinha passado da hora de se aposentar ... por doidice.
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