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O grande campeão

- 03/07/2009

Aconteceu na Expo Goiânia, na dé­cada de 1980, quando nada se vendia. O nordestino estava triste, pois ia voltar sem ter vendido quase nada. Com ele es­tava o Grande Campeão, pomposo e orgulhoso, da raça Somalis. Já havia sido várias vezes Grande Campeão no Nordeste e, agora, estava ali, colocado à venda, cheio de roseta e faixas e nenhum comprador.

Chegou um homem de terno e gravata, assuntou, observou, coçou o cavanhaque, posou de entendido, achegou-se e perguntou se o animal estava mesmo à venda, dando início à eterna can­tilena da compra-e-venda de bicho vivo.

- Bom! Vender, mesmo, a gente bem que não queria, mas este animal deu tanta alegria que acho que pode ser festejado em outro lugar. Pode fazer a felicidade de outra gente.

- Pois bem, e esse dito animal, por acaso tem preço?

- Olha! Isso é um campeão. Aliás, um Grande Campeão. Aliás, muitas vezes Grande Campeão. Já tem filhos e ne­tos também Grandes Campeões. É raridade.

- Quer dizer, então, que é legítimo?

O nordestino não entendeu o que queria dizer “legítimo”, mas levou a conversa pra frente:

- Melhor que isso só dois issos. Não tem como ser melhor. É o mais premiado do Brasil. É um Somalis arretado.

O engravatado, assustou-se:

- Somalis, que é isso?

O nordestino encheu-se de ­tristeza: pensou que estava falando com alguém que entendia do assunto, mas o gaiato não sabia nem o nome da raça do Grande Campeão. Mesmo assim, resolveu dar trela, só por educação.

- Somalis é a melhor raça do sertão nordestino.

- É animal de deserto, mesmo? Sou de Brasília, não entendo muito disso, mas eu queria um animal bem árabe.

- Sim. Veio do deserto mais puro do Nordeste. A origem dele é lá das ará­bias, como o senhor quer.

- Pois o bicho me interessa, mas eu tenho que telefonar para ajustar as coisas. Dá para esperar um pouquinho?

O nordestino percebeu que a venda já estava pra lá de perdida e deu de ombros, concluindo:

- Bom, se o senhor quiser, o campeão fica; se não quiser, volta pro Nordeste.

 

 

 

O engravatado separou-se, puxou o telefone e, lá num canto, gesticulava, eufórico. Ninguém entendia nada daquele linguajar esquisito que, depois, ficou dito ser língua árabe. A conversa gastou mais de meia-hora. E houve outros telefonemas para parentes, tios, primos, todos do outro lado. A alegria do engra­vatado só aumentava, enquanto o nordestino não entendia nada. Terminada essa fase, o homem voltou para o nordestino, cheio de mesuras:

- O senhor me desculpe, mas eu ti­nha que falar com minha família, pois eu não entendo muito desse negócio de carneiros. Eu descrevi o animal e eles acha­ram que eu posso comprar e, então, vamos acertar o preço?

O nordestino percebeu que a venda podia degringolar, mas ainda tentou valorizar o que já estava perdido:

- Bom! Como eu disse, é um campeão. Aliás, um Grande Campeão. Isso tem lá seu preço...

Foi ajuntando gente para dar força ao nordestino:

- Pode comprar que o bicho é o me­lhor que apareceu no Brasil, até hoje.

O engravatado, porém, parecia ser muito ocupado e, transbordando de felicidade, precipitou o preço:

- Bem, e esse tal campeão vale quan­to? Uns mil, dois mil, quanto?

O nordestino arregalou os olhos. Mal tinha conseguido vender borregos por duzentos e trezentos e parece que o engravatado estava mangando ou ia pagar, mesmo, tanto dinheiro pelo já idoso campeão. Jeitoso como bom vendedor, pisava em ovos, para não dar trela:

- Olha, o animal pode mesmo levar alegria pra outras bandas e, então, acho que a gente pode fazer um preço bom. Ele vale mais de quatro mil, mas se o se­nhor pagar os dois mil, aqui, agora, a gente fecha negócio. Este animal vai cum­prir um grande destino na vida do senhor, pode acreditar!

Era dinheiro para pagar a exposição e retornar para o Nordeste, em paz. O engravatado nem pestanejou:

- Dois mil? Pois bem, o animal é meu. Posso comunicar que comprei?

O nordestino garantiu e a venda foi festejada, ali mesmo, pela turba que acompanhava o negócio. Era um negócio da China pelo velho campeão.

O engravatado pegou o telefone e, agora, em português, deu a notícia:

- Meu pai, pois o homem aceitou vender o animal de cabeça preta e corpo branco. É igualzinho, mesmo, aos que o senhor dizia ter lá na Arábia. Está gordo, sim, meio velho, mas é bonito. Tem casco pretinho, muita gordura no ra­bo, não tem chifre. É um tal de So­ma­lis. Pesa uns 70 kg. Vou colocar num en­gradado e despacho pelo avião para São Paulo, agorinha mesmo. Amanhã, eu chego para a hora do almoço. Pode convidar todo mundo: tios, tias, primos, para realizar o seu sonho de ter todos nu­ma mesa saboreando um legítimo churrasco de um animal que veio da Arábia. Foi meio caro, mas o almoço em família vai compensar.






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