Honório era trabalhador das artes de adivinhar o tempo, mais conhecido com o palavrão de meteorologista. Isso mesmo: me-te-o-ro-lo-gis-ta! Ninguém podia com ele: sabia de tudo, coordenadas, ordenadas, desordenadas, enfim todos os gráficos que surgiam em seu computador, autorizando a afirmar se iria ou não esfriar, chover, ventar, etc.
- Qualquer mexidinha na linha do horizonte já sai anotada na tela do computador, profetizando o que vai acontecer - dizia.
Para ele, o resto era mentira, invenção, ou superstição! Por isso, tinha pavor de programas de televisão que mostravam bichos amestrados, talvez porque achasse que eram concorrentes diretos de seu trabalho. Os jornalistas, então, para piorar, acrescentavam: “vejam as formigas que abandonam seus ninhos e sobem barrancos para se proteger do aguaceiro que está chegando nas próximas 24 horas”. Honório tinha horror de insetos, minhocas, cupins, aves e outros bichos que profetizavam...
No Nordeste, tais crendices - se é que são crendices - existem há centenas de anos e muita gente continua acreditando nelas, apesar do desabafo de Honório, quase todo dia:
- É claro que acreditam, pois antigamente não havia Me-te-o-ro-lo-giiiia!
Certa vez, Honório acabou sendo escalado para sua pior missão: justamente ouvir sertanejos para juntar estatísticas sobre chuvas, ventanias, etc. Por ser o mais descrente de todos, foi o escolhido! Assim, absolutamente crente em suas máquinas, partiu e começou anotando tudo que ouvia. Logo tinha cadernos cheios do que chamava de um amontoado de besteiras.
Certo dia chegou a um sítio que parecia fora do tempo, pediu para a idosa proprietária, Da. Inês, para ficar por ali, analisando o tempo, com sua antena e seus computadores que logo estavam espalhados sobre as rochas ao pé do lajedo de enxugar roupas e bater feijão.
Passou a tarde em tagarelice inútil com os batedores, no lajedo, sem qualquer preocupação, pois os computadores estavam firmes, analisando o céu limpíssimo: nada de chuva, nem de perturbações vindas do céu.
Foi assim que chegou a noite e Honório jantou uma galinha-cabidela com Da. Inês, deitando-se depois na rede da varanda! Lá pelas duas da madrugada, acordou com um alvoroço: sino tocando na varanda, gente chegando, enchendo sacos de feijão, guardando tudo, com Da. Inês apavorando todo mundo:
- Depressa, que a coisa ruim vem chegando aí.
Não demorou muito e o céu despencou, por meio de uma ventania que já estava jogando computador, antena, livros e tudo o mais para bem longe, exigindo alguns guris correndo atrás, pegando o que podiam. Ele arregalava os olhos, diante de tamanha traição à sua sabedoria:
- Mas não estava previsto, não tinha nada no computador...
- Xiiiii, sua sabença é bem fraquinha - grunhiu Da. Inês, com um sorriso maroto.
Nem terminou de falar, o céu estrondejou e caiu água de um mês em poucos minutos. O computador de Honório, com certeza, era um abestalhado a mais, no sertão...
Honório não conseguiu dormir o resto da noite, ouvindo o resmungo trovejante nos céus, matusquelando sobre como era possível uma sertaneja, matuta, saber mais do que ele, com tantos anos de estudo e tantos equipamentos!
Nem bem amanheceu, chão molhado, a criação querendo ficar presa para evitar a umidade, Honório quis tirar satisfações para seu ego ferido, com Da. Inês.
- Minha senhora, como é que adivinhou que ia ter esse temporal, de repente?
A velha sertaneja, com aquele sorriso galhofeiro, centenário, respondeu:
- Eu é que fui burra. Resolvi acreditar no senhor e seus aparelhos e nem liguei pro Quinzão, nosso bode, que chegou apavorado, de noitinha, cabeceando porteira, cercas, tudo que encontrava pela frente, para se proteger à noitinha. Era sinal de chuva, e muita! Mais tarde, ele não se aquietava, tangendo as cabras do chão do curral pra dentro do aprisco. Era sinal de ventania, e muita! Achei que era só ciúme de bode, contrariando tudo que eu havia aprendido com meus pais.
- Quer dizer que o bode informou que ia chover?
- Olha, seu moço, nós da roça não temos aparelhos, nem televisão, mas temos estrelas, lua, animais, sinais por todo lado. É só prestar atenção...
Deu uma paradinha, quase arrependida, mas resolveu emendar:
- Pois ontem foi a última vez que pratiquei uma traição contra nossa sabença. Cientistas da cidade são bons pra televisão, mas ruins pro nosso chão.
Honório arregalava os olhos:
- Mas diga quais foram os sinais do temporal.
Da. Inês resolveu esticar:
- Pois bem: bode tem medo de que o céu caia em sua cabeça! Quinzão mostrou ser um valente capitão, como deveria ter sido o doutor me-te-o-ro-lo-giiiiiis-ta, não é mesmo? Pois aqui o bode mostrou sabença e o moço aí ficou pra trás, sem ser capitão nem coisa alguma.
Num desabafo, finalizou:
- Se a gente fosse acreditar nas suas milongas, ia perder todo o feijão. Qualquer um sabe que bode tem horror de um filete de água no chão, de umidade e de ventos frios. Ele é um me-te-o-ro-lo-giiiiis-ta do sertão, um sabe-tudo! E tem muitos outros me-te-o-ro-lo-giiiiis-tas no sertão: formiga, grilo, sapo, minhoca, abelha, sal, passarinhos, cabras, bodes, perereca. A gente nem precisa de aparelhos para escutar as previsões deles, é só prestar atenção.
Honório lembrou então que a antiga SUDENE, certa vez, gastou muitos milhões, enviando técnicos para o sertão, anotando milhares de crendices sertanejas sobre frios, chuva, ventos, etc. Depois, jogou tudo no mato, acreditando ser besteira pura! Depois disso, Honório jurou que iria respeitar a sabença do sertanejo, pois este respeitava o chão onde pisava, mesmo sem ter livros, computadores e antenas. Descobriu que - na hora do aperto - mais vale um bicho na mão, do que computador e televisão! Exatamente como há séculos atrás!
Caso sugerido por Edílson Oliveira de Souza - caprinocultor, assinante de O Berro.
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