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Matérias



O bode adivinhador de chuvas

- 02/06/2009

Honório era trabalhador das artes de adivinhar o tempo, mais conhecido com o palavrão de me­teo­rologista. Isso mesmo: me-te-o-ro-lo-gis-ta! Ninguém podia com ele: sabia de tu­do, coordenadas, ordenadas, desorde­nadas, enfim todos os gráficos que surgiam em seu computador, autorizando a afirmar se iria ou não esfriar, chover, ven­tar, etc.

- Qualquer mexidinha na linha do ho­rizonte já sai anotada na tela do computador, profetizando o que vai acontecer - dizia.

Para ele, o resto era mentira, inven­ção, ou superstição! Por isso, tinha pavor de progra­mas de televisão que mostravam bichos amestrados, talvez porque achasse que eram concorrentes diretos de seu trabalho. Os jornalistas, então, para piorar, acres­centavam: “vejam as formigas que abandonam seus ninhos e sobem barrancos para se proteger do aguaceiro que está chegando nas próximas 24 horas”. Honório tinha horror de insetos, mi­nhocas, cupins, aves e outros bichos que profetizavam...

No Nordeste, tais crendices - se é que são crendices - existem há centenas de anos e muita gente continua acreditando nelas, apesar do desabafo de Honório, quase todo dia:

- É claro que acreditam, pois antigamente não havia Me-te-o-ro-lo-giiiia!

Certa vez, Honório acabou sendo es­calado para sua pior missão: justamente ouvir sertanejos para juntar estatísticas sobre chuvas, ventanias, etc. Por ser o mais descrente de todos, foi o esco­lhido! Assim, absolutamente crente em suas máquinas, partiu e começou anotando tudo que ouvia. Logo tinha cadernos cheios do que chamava de um amontoado de besteiras.

 

 

 

Certo dia chegou a um sítio que pa­recia fora do tempo, pediu para a idosa proprietária, Da. Inês, para ficar por ali, analisando o tempo, com sua antena e seus computadores que logo estavam espalhados sobre as rochas ao pé do lajedo de enxugar roupas e bater feijão.

Passou a tarde em tagarelice inútil com os batedores, no lajedo, sem qualquer preocupação, pois os computadores estavam firmes, analisando o céu limpíssimo: nada de chuva, nem de perturbações vindas do céu.

Foi assim que chegou a noite e Ho­nó­rio jantou uma galinha-cabidela com Da. Inês, deitando-se depois na rede da varanda! Lá pelas duas da madrugada, acordou com um alvoroço: sino tocando na va­randa, gente chegando, enchendo sacos de feijão, guardando tudo, com Da. Inês apavorando todo mundo:

- Depressa, que a coisa ruim vem che­gando aí.

Não demorou muito e o céu despen­cou, por meio de uma ventania que já estava jogando computador, antena, livros e tudo o mais para bem longe, exigindo alguns guris correndo atrás, pegando o que podiam. Ele arregalava os olhos, diante de tamanha traição à sua sabedoria:

- Mas não estava previsto, não ­tinha nada no computador...

- Xiiiii, sua sabença é bem fraquinha - grunhiu Da. Inês, com um sorriso maroto.

Nem terminou de falar, o céu estron­dejou e caiu água de um mês em poucos minutos. O computador de Ho­nório, com certeza, era um abestalhado a mais, no sertão...

Honório não conseguiu dormir o resto da noite, ouvindo o resmungo trove­jante nos céus, matusquelando sobre como era possível uma sertaneja, ma­tuta, saber mais do que ele, com tantos anos de estudo e tantos equipamentos!

Nem bem amanheceu, chão molhado, a criação querendo ficar presa para evitar a umidade, Honório quis tirar satisfações para seu ego ferido, com Da. Inês.

- Minha senhora, como é que adivinhou que ia ter esse temporal, de repen­te?

A velha sertaneja, com aquele sorriso galhofeiro, centenário, respondeu:

- Eu é que fui burra. Resolvi acreditar no senhor e seus aparelhos e nem liguei pro Quinzão, nosso bode, que chegou apavorado, de noitinha, cabeceando porteira, cercas, tudo que encontrava pela frente, para se proteger à noi­tinha. Era sinal de chuva, e muita! Mais tarde, ele não se aquietava, tangendo as cabras do chão do curral pra dentro do aprisco. Era sinal de ventania, e muita! Achei que era só ciúme de bode, contra­riando tudo que eu havia aprendido com meus pais.

- Quer dizer que o bode informou que ia chover?

- Olha, seu moço, nós da roça não temos aparelhos, nem televisão, mas te­mos estrelas, lua, animais, sinais por to­do lado. É só prestar atenção...

Deu uma paradinha, quase arrependida, mas resolveu emendar:

- Pois ontem foi a última vez que pra­tiquei uma traição contra nossa sa­bença. Cientistas da cidade são bons pra televisão, mas ruins pro nosso chão.

Honório arregalava os olhos:

- Mas diga quais foram os sinais do temporal.

Da. Inês resolveu esticar:

- Pois bem:  bode tem medo de que o céu caia em sua cabeça! Quinzão mostrou ser um valente capitão, como deveria ter sido o doutor me-te-o-ro-lo-giiiiiis-ta, não é mesmo? Pois aqui o bode mostrou sabença e o moço aí ficou pra trás, sem ser capitão nem coisa algu­ma.

Num desabafo, finalizou:

- Se a gente fosse acreditar nas suas milongas, ia perder todo o feijão.  Qualquer um sabe que bode tem horror de um filete de água no chão, de umidade e de ventos frios. Ele é um me-te-o-ro-lo-giiiiis-ta do sertão, um sabe-tudo! E tem muitos outros me-te-o-ro-lo-giiiiis-tas no sertão: for­miga, grilo, sapo, minhoca, abelha, sal, passarinhos, cabras, bodes, perere­ca.  A gente nem precisa de aparelhos para escutar as previsões deles, é só prestar atenção.

Honório lembrou então que a an­tiga SUDENE, certa vez, gastou muitos milhões, enviando técnicos para o sertão, anotando milhares de crendices sertanejas sobre frios, chuva, ventos, etc. Depois, jogou tudo no mato, acreditando ser besteira pura! Depois disso,  Honó­rio jurou que iria respeitar a sabença do sertanejo, pois este respeitava o chão onde pisava, mesmo sem ter livros, computadores e antenas. Descobriu que - na hora do aperto - mais vale um bicho na mão, do que computador e televisão! Exatamente como há séculos atrás!

 

Caso sugerido por Edílson Oliveira de Souza - caprinocultor, assinante de O Berro.






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